terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Páginas Amaldiçoadas - A tumultuada História do Necronomicon

A versão original do Necronomicon, conhecida como Kitab Al-Azif (Livro de Al-Azif), foi escrita por volta do ano 730 D.C, em Damasco pelo árabe, Abdul Al-Hazred (ou Abd al-Azrad dependendo da versão do biógrafo).

Pouco se sabe à respeito da vida e dos feitos de Al-Hazred, mas supõe-se que ele tenha sido um astrônomo, filósofo, poeta e cientista que na metade final da vida se dedicou ao estudo das artes místicas e ciências proibidas.

Nascido no ano 700 em Sanaa, atual Iemen, Hazred teve educação esmerada, supõe-se que ele tenha estudado com grandes sábios em Damasco, homens que o acolheram e ensinaram noções de matemática, ciência e filosofia. Ele também teria aprendido alquimia e os segredos das transmutações. Em algum momento, sua atenção foi desviada para o estudo do ocultismo, disciplina que despertou enorme fascínio.

É possível que ele tenha se envolvido com cultos e seitas proibidas ainda em sua passagem por Damasco, mas alguns biógrafos crêem que ele teria se juntado a uma seita de adoradores da morte, relacionada aos ghouls. Mais tarde, ele se tornou um seguidor de Yog-Sothoth e aprendeu os segredos que o transformaram em um feiticeiro.

Antes de escrever seu grande trabalho, o árabe viajou por anos em uma espécie de peregrinação espiritual na qual visitou a Babilônia, as catacumbas de Menphis, a mítica Cidadela sem Nome e a região interior do Grande Deserto ao sul da Arábia. Durante essa árdua jornada ele vagou por áreas desoladas, habitadas no passado distante por civilizações perdidas detentoras de um conhecimento esquecido. Ele também teve acesso a bibliotecas proibidas, vasculhou coleções particulares e se aventurou em ruínas cobertas pela areia e poeira. Por fim, emergiu dessa provação com um vasto conhecimento profano que decidiu registrar em um manuscrito.

Al-Hazred começou a escrever o livro que imortalizaria seu nome em Damasco, em meados do ano 735. Um de seus discípulos registrou que Azred passava noites inteiras acordado escrevendo suas memórias que o levavam a um estado de estupor e pânico.

Al-Azif, título que ele escolheu para sua obra, pode ser traduzido como "murmúrio", mas o termo se refere mais especificamente ao som que insetos (cigarras em especial) fazem quando o dia se vai e a noite começa a chegar. Um som de presságio que alerta para a escuridão que se aproxima

O feiticeiro morreu em 738, de acordo com seu biógrafo, Ebn-Khallikan. A lenda afirma que ele foi devorado por um demôno invisível que o fez em pedaços no centro de um bazar de Damasco em plena luz do dia.

Após a morte de Hazred, sua casa - um lugar temido por todos na cidade - foi destruída por uma turba furiosa. Alguns objetos de valor foram salvos da multidão, entre eles os Manuscritos que compunham o Al-Azif. Cópias destes começaram a circular secretamente na forma de rolos de pergaminho em poder de escolásticos da época.

Apenas em 950 uma cópia foi traduzida para o idioma grego pelo bizantino Theodorus Philetas, que localizou um volume do Al-Azif na Biblioteca Imperial de Constantinopla. Sabendo que o livro atraía a atenção de censores, Philetas decidiu renomear a obra com o título Necronomicon (que pode ser traduzido como "O Livro dos Nomes Mortos", ou de forma mais completa "O Livro das coisas pertinentes aos Mortos").

Pouco depois de concluir a tradução, a família de Philetas enfrentou a ruína financeira e ele fez várias cópias para serem vendidas a famílias influentes, nobres e estudiosos do Império. O aumento da circulação do livro levou a sua eventual condenação em 1050 pelo Patriarca Michael de Constantinopla. Muitas cópias (dizem que no total 171) foram confiscadas e destruídas pelas autoridades. Aqueles que as possuíam receberam severa punição e alguns chegaram a ser banidos. Quanto a Philetas (cujo nome pode ser uma corruptela de "Philetos", herege) desapareceu dos anais da história.

Em 1228, um monge de nome Olaus Wormius (possivelmente dinamarquês, mas certamente de origem escandinava) descobriu uma cópia do Necronomicon escondida na biblioteca de um monastério na Jutlândia. Decidido a divulgar o livro como forma de enfrentar o mal, ele fez a tradução da obra para o Latim a partir do grego clássico. Olaus não alterou o título em grego, e Necronomicon passou a ser o título de todas as versões seguintes.

O trabalho de Wormius foi copiado exaustivamente pelos monges, até que a ordem monástica da qual ele fazia parte foi desarticulada após sérias acusações de heresia. Antes disso, vários manuscritos completos já haviam sido enviados para círculos filosóficos e religiosos para serem analisados. É bem possível que exemplares tenham se extraviado indo parar nas mãos de cultos e de feiticeiros, justamente os inimigos que Wormius tencionava enfrentar.

Em 1232, ambas as edições grega e latina, foram incluídas no Index Expurgatorius pelo Papa Gregório IX que havia tomado conhecimento do teor ofensivo do livro. Algumas cópias foram interceptadas, mas o livro continuou sendo copiado e divulgado ganhando notoriedade.

Rumores afirmam que a versão em latim circulou além das fronteiras nacionais e que exemplares chegaram a França no século XIII. Uma tentativa de traduzir o livro para o idioma francês teria sido tentada, mas os monges envolvidos acabaram capturados e escomungados.

Em 1454 o avanço nas técnicas de impressão com tipos móveis permitiu uma maior disseminação de livros. Antes do final do século XV, uma versão em latim do Necronomicon impressa em black-letter gothic surgiu na Alemanha, provavelmente em Mainz. O texto, não trazia qualquer identificação sobre o local ou data de impressão.

Pouco depois, outro monge de nome Wormius (possivelmente um descendente de Olaus), trabalhando como oficial da Inquisição espanhola à serviço de Torquemada iniciou a tradução de um volume do Necronomicom. Seu objetivo era fazer uma transição para o idioma espanhol. Antes de concluir o trabalho ele foi descoberto e acusado de heresia sendo queimado numa fogueira em Sevilha em no ano de 1487.

No início do século XVI, uma versão traduzida do grego foi impressa na Itália. Embora novamente não houvesse marcas de identificação, acredita-se que essa versão tenha sido impressa por Audus Manutius, fundador da Aldine, famosa gráfica veneziana especializada emtextos originais gregos e latinos.

Entre 1576 e 1579, Miguel Cervantes, autor de Don Quixote foi mantido como escravo e prisioneiro em Algiers. Alguns estudiosos afirmam que ele teria obtido uma cópia do Necronomicon latino e realizado uma tradução preliminar para o idioma espanhol, nomeando o resultado como "El Libro de los Nomes Perdidos". Verdade ou mentira, esse livro teria sido enviado para a Espanha servindo como base para uma segunda edição impressa em Cadiz.

Em 1586 uma tradução em inglês do Necronomicon foi produzida pelo Dr. John Dee, matemático, astrólogo e médico da Rainha Elizabeth I da Inglaterra. Jamais publicada, a versão de Dee foi traduzida tendo como base uma cópia do manuscrito grego, obtido no leste europeu (especula-se como presente na corte de Rodolfo II de Praga).

A cópia traduzida por Dee eventualmente acabou sendo passada para um colecionador que farejando fortuna produziu várias cópias para serem vendidas clandestinamente. Um destes volumes deu origem ao Manuscrito de Sussex, também chamado de Cultus Maleficarum, uma versão compilada pelo Barão Frederic. Essa edição chegou a ser publicada na Inglaterra em 1597, mas poucas cópias sobreviveram aos expurgos e perseguições movidos contra ela

Um trabalho com o título "Al-Azif - o Livro do Árabe", escrita em inglês provinciano, repleta de erros de gramática circulou pela Grã-Bretanha no século XVII. Esse texto provavelmente se resume a um apanhado de trechos e tópicos retirados do Necronomicon.

O Necronomicon continuou circulando pela Europa, sendo traduzido para vários idiomas graças a estudiosos e pesquisadores interessados em desvendar seus segredos. Entretanto, nenhuma tradução posterior a da edição em inglês podia se comparar às anteriores.

As versões traduzidas para o francês (1662), alemão (1670) e russo (1688) para citar apenas três exemplos, já haviam sido diluídas e/ou censuradas a tal ponto que se distanciavam enormemente da obra original. Isso acontecia pois o teor blasfemo do Necronomicon por vezes ofendia os tradutores de tal forma que eles delibradamente omitiam alguns tópicos.

No correr do século XVIII, cópias do Necronomicon foram carregadas para o Novo Mundo como parte de valiosos tesouros ou contrabandeados para longe por cultistas, feiticeiros ou estudiosos.

Uma das primeiras edições a chegar à América foi transportada para a Nova Inglaterra no ano de 1714. Este volume em inglês teve importante papel em distúrbios ocorridos na cidade de Kingsport em 1722. Outra cópia, desta vez em latim, foi destruída após o linchamento do rico comerciante Joseph Curwen de Providence, Rhode Island. Acusado de feitiçaria Curwen teve sua propriedade destruída por camponeses insatisfeitos com sua presença em meados de 1771.

Finalmente, uma cópia do Necronomicon foi adquirida pela Biblioteca Orne da Universidade Miskatonic em 1895. A compra foi feita pelo bibliotecário chefe, Henry Armitage que desconhecia a fama do estranho livro. Curiosamente o livro havia sido adquirido a partir do espólio de Whipple Phillips, avô materno de ninguém menos que H.P. Lovecraft.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Muito legal essa cronologia. Fácil de ler e fornece subsídios para vários cenários. Muito obrigado por mais essa jóia.

    Parabéns pelo blog. Estou ansioso pelos próximos episódios sobre o livro maldito.

    Mudando de assunto, vc sabe ae por acaso aquele filme - Necronomicon - O livro proibido dos mortos, chegou a sair em dvd aqui no brasil? Assisti em vhs, muitos anos atras, mas nao achei até hoje o dvd pra comprar.

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