sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Na Trilha do Diabo - Estranhas pegadas aterrorizam a Inglaterra Victoriana


Na manhã do dia 16 de fevereiro de 1855, os moradores de Londres leram no jornal The Times a seguinte notícia:

O Diabo andando em Devon

"Uma grande comoção foi causada nas cidades de Topsham, Lympstone, Exmouth, Teignmouth e Dawlish, ao sul de Devon, por causa da descoberta de um vasto número de pegadas estranhas e misteriosas. Os supersticiosos chegam ao ponto de crer que são as pegadas de Satã em pessoa; e o grande temor causado nas pessoas de todas as classes pode ser julgado pelo fato do assunto ter chegado aos púlpitos locais.


Parece que na noite de quinta-feira houve uma forte nevasca na região de Exeter e no sul de Devon. Na manhã seguinte os habitantes dessa região foram surpreendidos pela descoberta de rastros de um animal estranho e misterioso, imbuído da capacidade de onipresença, já que as pegadas foram encontradas em muitos lugares inacessíveis – no telhado de casas, no alto de muros muito estreitos, em jardins e praças cercados por paredes e muros altos ou cercas fechadas assim como em campo aberto. Era raro um jardim em Lympstone onde as pegadas não estivessem presentes.

A julgar pelas trilhas, elas teriam sido causadas mais provavelmente por um animal bípede e não quadrúpede e o espaçamento entre os passos era de aproximadamente 20 centímetros. As impressões das pegadas se assemelhavam muito às das ferraduras de um jumento e mediam de 6 a 10 centímetros de uma ponta a outra. Aqui e ali elas tomavam a aparência de cascos fendidos, mas na sua maioria a forma de ferradura era constante e, pela neve acumulada no centro, apenas mostrando os contornos exteriores, as pegadas eram côncavas.


A criatura parece ter se aproximado das portas de inúmeras casas e então ter se afastado, mas ninguém foi capaz de descobrir os pontos de partida ou chegada do visitante misterioso. No último domingo o reverendo Mr. Musgrave citou o ocorrido em um de seus sermões e sugeriu a possibilidade das pegadas terem sido causadas por um canguru; mas isso dificilmente seria o caso, já que foram encontradas de ambos os lados do estuário de Exeter.

Até o momento o acontecido permanece um mistério e muitas pessoas supersticiosas que habitam as cidades já citadas estão realmente com medo de sair de suas casas depois que escurece".

Essa matéria foi o ponto de partida para uma enorme confusão que varreu a região ao sul da Grã-Bretanha. O medo se espalhou rapidamente a medida que rumores sobre a estranha figura de aparência demoníaca se multiplicava entre a população.

A notícia era assustadora: Satã estava andando de casa em casa e pelas estradas que ligavam os povoados entre Devon e Exeter.

É claro, o rumor fez com que as pessoas ficassem alarmadas. Há relatos de famílias se trancando dentro de casa para rezar e pedir proteção, de crianças sendo proibidas de sair e de homens portando armas de fogo para auto-defesa contra a presença demoníaca. No povoado de Topsham pequenas medalhas, supostamente abençoadas, começaram a ser vendidas uma vez que se acreditava serem elas capazes de fazer com que o demônio recuasse. Símbolos de proteção antigos, as Sheelas, foram fixadas na soleira das portas a fim de afastar os maus espíritos. Em Teignmouth diziam que o leite recém tirado das vacas azedava poucos minutos após a ordenha, que pássaros despencavam mortos dos céus e que um bezerro de duas cabeças nasceu, chorou como uma mulher e morreu no espaço de poucos minutos. 

Em vários povoados o medo era tamanho que chegou-se a cogitar que o fim do mundo estava prestes a chegar e que a presença demoníaca era o prelúdio de coisas muito piores que estavam por vir. Um dos maiores temores é que a criatura poderia raptar crianças inocentes, como evidencia a imagem no alto desse artigo.

Mais inquietante ainda foram os relatos que começaram a se multiplicar dando conta do avistamento de uma furtiva figura demoníaca, com chifres, rabo e patas de bode. Em Dawlish, um grupo de moradores disse ter avistado a criatura demoníaca "que corria rapidamente, às vezes de quatro, às vezes como um homem" em uma estrada próxima ao cemitério local. O ser demoníaco teria passado por um grupo de cidadãos respeitáveis, saltando e gargalhando e só não os atacou porque começaram estes a rezar e pedir proteção divina. 

Três homens do vilarejo perseguiram a criatura e armados com espingardas chegaram a atirar contra ela. Os homens contaram ter sentido um profundo cheiro de enxofre e que pouco depois de retornarem, ouviram um profundo balido fantasmagórico vindo das charnecas mal-iluminadas que margeavam o vilarejo. "Como se a coisa quisesse provar que estava viva", comentou uma testemunha desconsolada.

A essa altura, a estória havia ganhado o país e as pessoas se perguntavam se o Demônio apareceria em seus quintais.

Para alguns aquilo significava que alguém na casa estava condenado a morrer e ir para o inferno, para outros era a certeza de que o demônio tinha algum tipo de pacto com alguém que residia na propriedade visitada. Essa desconfiança fez com que um pastor do povoado de Exmouth perdesse o emprego e fosse expulso depois que várias marcas foram encontradas no pátio da igreja.

Para conter a histeria, o Reverendo H. T. Ellacombe, um respeitado religioso de Clyste St. George começou a investigar o fenômeno em busca de pistas que pudessem comprovar o que para ele, não passava de uma bem elaborada fraude.


O vigário visitou Devon na semana seguinte e fez paradas nos povoados afligidos. Ele consultou os párocos locais que relatavam estórias muito similares, entrevistou testemunhas que haviam visto os rastros, mediu as pegadas ainda frescas, a distância entre elas e chegou a encomendar a feitura de rastros em gesso. Os resultados das investigações de Ellacombe preenchem um relatório de mais de 500 páginas que foi submetido a Diocese de Devon - e que foi citado anos depois pelo investigador do paranormal Charles Fort como uma das primeiras investigações sobrenaturais criteriosas, que corresponde ao capítulo XXVIII de seu "Livro dos Danados".

Os principais fatos reunidos pelo religioso foram posteriormente publicados pela revista Illustrated London News, no dia 3 de abril de 1855

Não há como supor que o acontecimento tenha sido planejado ou orquestrado por moradores que testemunharam a descoberta dos supostos rastros satânicos uma vez que um número realmente grande de pessoas se mostravam positivamente surpresas com o fenômeno. O Pastor concluiu após alguns cálculos que havia algo entre 60 e 110 quilômetros de rastros. 

As pegadas segundo a medição de Ellacombe mediam cada uma cerca de 10 centímetros de comprimento, por 7 centímetros de largura e estavam regularmente separadas por intervalos de 20 a 22 centímetros e pareciam rastros de um tipo de pata fendida de animal.

Ellacombe ressaltou alguns pontos que na sua concepção mereciam destaque:

1- Se as pegadas foram deixadas por um animal terrestre qualquer (incluindo aqui os pássaros), o elemento mais difícil de explicar é a sua colocação fantástica: "O misterioso visitante passou de modo geral apenas uma vez em cada local e o fez em quase todas as casas de numerosas partes das diferentes cidades, assim como em fazendas isoladas. Essa pista regular, percorre em certos casos áreas de difícil acesso como os telhados das casas ou por sobre os palheiros, ou pelo alto de muros muito altos (um com cerca de 4 metros e meio de altura), sem deslocar a neve nem de um lado nem do outro e sem modificar as distâncias entre as pegadas. Os jardins cercados de sebes altas ou de muros e com portas fechadas foram visitados, assim como aqueles que não tinha obstáculos nem eram fechados. Muitos donos dessas propriedades juraram que haviam trancado portas que conduziam aos seus pátios internos eque encontraram os mesmos devidamente trancados e sem sinal de terem sido arrombados ou abertos.

O Pastor Ellacombe afirmou ter seguido um mesmo rastro através de um campo até um palheiro. A superfície deste palheiro estava intocada sem apresentar qualquer marca mas, do lado oposto, numa direção correspondente exatamente à pista traçada até aquele ponto, as pegadas recomeçavam.


2- O mesmo fato foi observado de um lado e de outro de um muro. Dois outros habitantes seguiram uma linha de pegadas durante três horas e meia, passando sob um bosque de groselheiras e de árvores frutíferas em renques; perdendo em seguida o rastro e reencontrando-o sobre o teto de casas nas quais sua busca havia começado.

3- Mais impressionante ainda, o pastor afirmou que as pegadas pareciam atravessar um estuário de quase 3 quilômetros de largura, desaparecendo em uma margem e ressurgindo na margem oposta de forma absolutamente visível, indicando que seja o que for que tenha deixado as marcas entrou em um lado do estuário e ressurgiu do outro sem interromper sua marcha. Não há dados que corroborem a informação de que o estuário estaria congelado na ocasião o que possibilitaria a travessia. De qualquer forma, as marcas deixadas nas margens pareciam indicar que a criatura entrava nas águas gélidas até que ela apagasse suas trilhas.

4- O pastor afirmava que "De nada serve atribuir a mais de um animal estes rastros, porque isto não explica como, qualquer que seja o animal e, qualquer que seja seu número, seja ele capaz de escalar muros, andar sobre telhados e obstáculos sem reconhecer impedimentos físicos; e, também, ter capacidade de passar por pequenas vielas de 30 cm de largura. É igualmente digno de nota que os rastros não pareciam voltar para trás e nem circular aleatoriamente. Um animal, seja qual for, deveria apresentar hesitação, vacilando em alguns pontos mesmo que fosse conduzido. Ademais, ninguém entrevistado nos vilarejos declarou ter visto alguém conduzindo um animal com cascos por esse caminho. A noite em que os rastros surgiram foi quase congelante, marcada por neve contínua.

5- Muitas pessoas que se interessaram pelo caso propuseram como solução para o mistério residia em algum fenômeno natural da atmosfera incidindo sobre as marcas – que seriam rastros não tão fantásticos que, devido ao clima, teriam mudado e ficado com aquela aparência. Mas como seria possível que a atmosfera afetasse uma marca e não outras? Na manhã em que os rastros foram observados, a neve apresentava pegadas frescas de cães e gatos, coelhos, pássaros e homens, nitidamente definidas. Por que então um rastro ainda mais nitidamente definido – tão nitidamente que a fenda do meio de cada casco podia ser discernida – somente ele, teria sido afetado pela atmosfera e todas as outras marcas deixadas não o foram?

Ademais, a circunstância mais singular levantada a esse respeito era a de, onde quer que aparecesse essa marca, a neve não estava completamente revolta, como se o que quer que tivesse deixado a pegada a tivesse produzido com incrível delicadeza.

Diante dessas conclusões, incluídas em seu minucioso inquérito, o Reverendo Ellscombe foi convocado para prestar um depoimento diante da Diocese de Devon. Ele afirmou ter realizado a investigação de forma imparcial e quando pedido para explicar o que havia acontecido naquela fria noite de fevereiro simplesmente não foi capaz de oferecer uma explicação racional. A Igreja Anglicana tampouco ofereceu uma explicação para o ocorrido. Sua posição foi a de refutar qualquer manifestação sobrenatural e tentar tranquilizar a população dentro do possível.

Então, o que andou pelas estradas de Devon naquela noite?

Teria sido uma brincadeira de gosto duvidoso? Uma fraude da qual participaram os moradores de vários povoados? E se isso é verdade, com qual propósito? Uma brincadeira dessa natureza faria sentido ou justificaria o trabalho de tê-la organizado? Além disso, tal coisa demandaria um enorme planejamento e comprometimento de um grande número de envolvidos.

Então algo sobrenatural teria deixado os rastros? Hoje, é impossível saber ao certo o que aconteceu. Passados quase 150 anos, é pouco provável que um dia venhamos a descobrir. Mas os documentos e a investigação da época comprovam o inusitado teor bizarro desse acontecimento.

5 comentários:

  1. Parabéns pela postagem, está ai um belo recorte histórico que pode render uma história fantástica para o cinema, um livro ou mesmo uma crônica...

    ResponderExcluir
  2. hahaha.. ótima matéria..resta agora aguardar alguma adaptação fantástica do Luciano ou do Tio Nitro pra Cthulhu..rsrs

    ResponderExcluir
  3. Cara, ví várias marcas como essa na minha infância, casa da minha avó, bios, vacas, porcos, ovelhas, bodes e cabritos! Acho que o capeta estava dançando com eles! :-P

    ResponderExcluir
  4. HAHAHA!!! isso vai me render uma campanha de RPG(D&d) xD.Parabéns pela postagem!!onze!!!

    ResponderExcluir
  5. puts, otima postagem. vou utilizar a ideia tambem para minha futura campanha nos reinos de ferro. Parabens pelo blog.

    ResponderExcluir