terça-feira, 8 de abril de 2014

Saindo das Trevas - Falando de Herbert West Re-Animator


"Herbert West Re-Animator" escrita originalmente por H.P. Lovecraft foi publicada na forma de uma série de contos curtos em jornais e revistas mensais entre outubro de 1921 e junho de 1922.

Contada do ponto de vista de um narrador não identificado, a estória tem uma tétrica introdução:

"De Herbert West, que foi meu amigo na universidade e na vida posterior, só posso falar com extremo terror. Esse terror não se deve de modo algum à maneira sinistra pela qual ele desapareceu recentemente, sendo resultado da natureza geral do trabalho de sua vida, que na sua forma mais aguda, conheci pela primeira vez há mais de dezessete anos, quando cursávamos o terceiro ano da Escola de Medicina da Universidade Miskatonic, em Arkham".

A estória apresenta um estudante de medicina que se envolve com o notório, porém brilhante, Dr. Herbert West, o protagonista que dá nome ao conto. A fama de West decorre de suas experiências mórbidas com animais mortos e com o desenvolvimento de uma fórmula química por ele inventada, capaz de reanimar tecido morto e conferir às suas cobaias um aspecto de vida. Em sua arrogância, West acredita que seu experimento um dia será capaz de trazer humanos mortos de volta à vida, essencialmente tapeando a morte. É sobre as experiências de West e seu colega que trata o conto, concentrando-se na gradual loucura que se apossa de West. Em meio à sua obsessão, ele acaba recorrendo a artifícios imorais e antiéticos como roubar corpos do necrotério e injetar sua fórmula em pessoas inocentes. À medida que seus experimentos falham, West parece disposto a qualquer coisa para vencer a morte, inclusive se alistar no Corpo Médico durante a Grande Guerra a fim de ter à sua disposição um sortimento interminável de cadáveres frescos.

Lovecraft sempre deixou claro o seu desapontamento com esse trabalho, considerando ele o "mais miserável" e "lamentável" de sua carreira, escrito apenas para "alimentar as massas com calafrios". De fato, Lovecraft apenas concordou em escrever a sequência, composta de seis partes, porque receberia cinco dólares por cada trecho que fosse publicado. Era um bom pagamento para a época e considerando sua situação financeira decadente, ele não podia abrir mão desse sustento. Ainda assim, seus editores exigiam que ele trabalhasse fora de seu estilo. Ele deveria recapitular a cada sequência o que havia acontecido na parte anterior e terminar cada trecho com uma cena de suspense para manter a curiosidade dos leitores. Segundo Lovecraft essa intromissão dos editores apenas tornava a tarefa de escrever esse conto algo dolorosamente irritante.

Pessoalmente, eu vejo vários méritos nessa pequena estória.

A começar pelo protagonista, o insano Dr. Herbert West que é por si só um personagem fantástico. A despeito de sua fascinação com a morte e seus medonhos experimentos, ele é descrito como um sujeito franzino e delicado, cuja aparência se contrapõe a sua profunda genialidade e loucura. Em sua ânsia por atingir sua meta e vencer a morte ele cria grotescas monstruosidades, que só podem ser categorizadas como zumbis (embora em momento algum sejam chamadas dessa maneira). Essas abominações desmortas aterrorizam West e a cidade de Arkham, mas apesar de seu temor, ele não desiste de seu intento, considerando esses fracassos nada mais do que obstáculos a serem ultrapassados. Através de sua arrogância e desrespeito pela vida e morte, West se mostra um tremendo anti-herói, que segue o estereótipo do cientista maluco que marcaria o século XIX e estaria bem presente no século XX.       

Mas há outros elementos muito interessantes nesse conto subestimado por críticos e considerado um exemplo banal de literatura pulp.

De acordo com algumas cartas escritas a colegas, Lovecraft concebeu Herbert West - Reanimator como uma paródia de Frankenstein de Mary Shelley, na qual um médico tentava desvendar os mistérios da vida e vencer a morte. Assim como Victor Frankenstein, West é um cínico furioso com a transitória condição humana. Bem como o protagonista de Frankenstein, ele também anseia por subverter as forças da natureza e usar a ciência como seu grande trunfo. Há várias referências a Frankenstein e Lovecraft chega até a repetir versos da poesia de Samuel Taylor Coleridge, presentes no texto de Shelley. 

Em "Herbert West - Re-animator", Lovecraft se aprofunda num de seus temas favoritos: a ciência pervertida pela humanidade, transformada em algo hediondo resultando em catástrofe. O método usado por West para trazer "os mortos de volta à vida" envolve o emprego de ciência - no caso um reagente químico administrado na base do crânio, que reanima os mortos. Não há envolvimento de elementos sobrenaturais ou mágicos. 

Os mortos vivos reanimados pelo reagente são ferozes, famintos e incontroláveis, guardando inegável similaridade com as criaturas tão presentes hoje na cultura pop que glorifica os zumbis. Pode-se dizer que Lovecraft, através desse conto, se tornou um dos pioneiros a contemplar as implicações e o horror daquilo que viria a ser conhecido como Apocalipse Zumbi. Os mortos vivos reanimados pelo reagente de West são seres animalescos, monstros que formam uma verdadeira horda capaz de subjugar a humanidade e acabar com a civilização se tiverem chance. 

Maravilhosamente imaginado e muito à frente de seu tempo, "Herbert West Re-animator" é um agradável e assustador conto sobre os limites da ciência e os riscos de se brincar de Deus. Comparada ao resto da obra de Lovecraft, Re-animator pode ser considerada um pouco abaixo da média por se diferir das demais estórias do Cavalheiro de Providence, ainda assim ele resulta em bons arrepios.

O mais curioso a respeito desse conto talvez seja o fato dele ter inspirado um dos filmes de terror cult (ou seria trash?) mais lembrados da década de 80. Levemente baseado na obra de Lovecraft, estou me referindo obviamente a "Re-Animator" (1985) dirigido por Stuart Gordon e estrelado por Jeffrey Combs, considerado um dos mais divertidos filmes do gênero "tripas e sangue" de sua época.

O que Lovecraft acharia do resultado? Provavelmente ele iria ferir a sua sensibilidade artística até a alma e fazê-lo detestar ainda mais esse conto. Mas sejamos honestos, apesar de sua tosqueira (ou talvez por causa dela) o filme continua sendo delicioso.



6 comentários:

  1. Eu fico impressionado com a modéstia de Lovecraft. Ele sempre se considerou inferior a grandes mestres como Poe, mas atualmente sua influência na cultura popular é inegável prova de que seu senso de autocrítica era acirrado demais.

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  2. Também sou fã deste conto. Confesso que o reli imediatamente com o objetivo de absorver cada detalhe.

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    1. Terminei de ler esse conto ainda agorinha. Que primor!

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    2. Também acabei de ler e foi uma leitura (além de difícil, por conta do vocabulário Lovecraftiano) incrível. Lembrei a cada segundo de Frankenstein e do conceito de "gênio maluco" que mais futuramente o cinema abordaria.

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  3. Oi! Sabem me dizer se este conto tem tradução para o português? Estou à procura de contos do Lovecraft que ainda não tenham sido traduzidos. Agradeço qualquer ajuda/informação! :)

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    1. Olá!
      Até onde eu sei, existe apenas uma tradução do livro feita em Portugal, publicada por uma tal de Quasi Edições.

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