sábado, 28 de junho de 2014

Tumbas Malditas - Arqueólogos desenterram supostos vampiros ao redor do mundo


Era um dia como qualquer outro para uma equipe de trabalhadores que realizava obras de reparo num trecho da auto-estrada próxima a Gliwice, interior da Polônia.

Os homens já estavam cansados e se preparavam para ir embora, quando um deles verificou que o uso da britadeira no concreto, havia aberto rachaduras em um canto da estrada. Mais estranho ainda, eles descobriram que as rachaduras estavam localizadas em uma espécie de chapa de pedra com algumas estranhas marcas quase apagadas na superfície. O chefe dos empreiteiros resolveu chamar alguém para dar uma olhada e este entrou em contato com o museu mais próximo que despachou um professor de arqueologia para verificar o que era aquilo.

Depois de analisar as marcas, o arqueólogo chegou a conclusão que aquelas eram inscrições em um idioma usado naquela região há muito tempo. Empolgado com a descoberta, ele pediu que os trabalhadores removessem a tampa de pedra, acreditando se tratar de uma tumba medieval. O que eles foi achado era muito mais estranho e perturbador, algo que parecia saído de um filme de horror clássico - a tumba de um bando de vampiros!

Haviam quatro esqueletos espalhados pela pequena câmara, todos eles cuidadosamente decapitados. Seus crânios repousavam acomodados entre as pernas - uma antiga prática eslava para dispor de suspeitos de vampirismo. A ideia é que esses cadáveres não poderiam se erguer depois de terem a cabeça devidamente cortada. Em dois dos crânios, no interior de suas bocas foram encontrados restos de raízes, como acônito, e pétalas de flores. Outro cadáver teve uma cruz de ferro colocada sobre o peito.


Os arqueólogos acreditam que a tumba foi lacrada por volta do século XIII quando a crença em vampirismo era algo recorrente, sobretudo quando crianças morriam, desapareciam ou quando uma determinada comunidade sofria com alguma epidemia inexplicável. Uma das formas de se lidar com esses problemas não raramente era acusar algum bode expiatório de ser um vampiro, executá-lo e torcer para que as coisas melhorassem. Nem sempre funcionava, é claro, mas os aldeões continuavam fazendo isso de qualquer maneira. 

Entretanto, a tumba recentemente descoberta na Polônia não é a primeira que pesquisadores apontam como pertencente a suspeitos de vampirismo.   

Arqueólogos suspeitam que enterros de supostos mortos-vivos ocorriam tanto no Velho Mundo quanto no Novo Mundo. 

Em 1990, o arqueólogo da Colúmbia Britânica Hector Williams descobriu num cemitério na Ilha grega de Lesbos o esqueleto de um homem adulto que havia sido trespassado no peito por uma estaca de ferro. Esta foi devidamente fincada no chão de pedra de modo que o cadáver ficasse completamente imobilizado. Não bastasse essa grande estaca, a vítima também recebeu oito espigões de ferro atravessando seu pescoço, pélvis, pulsos e tornozelo.    


"O cadáver foi depositado em um caixão pesado de madeira, quase que completamente deteriorado pela passagem do tempo" contou Williams, "mas ainda era possível encontrar no seu interior indícios de bulbos de alho usados para purificá-lo". Marcas na tampa atestavam que o ataúde havia sido fechado com pregos e supõe-se que uma corda tenha sido passada ao seu redor. Claramente, alguém queria garantir que esse homem não se libertasse da tumba onde fora encerrado. Os antropólogos forenses que examinaram o corpo não encontraram nada diferente nele que pudesse atestar sua suposta herança vampiresca.

Mais recentemente, um time de arqueólogos liderados por pesquisadores da Universidade de Florença e pelo antropólogo forense Matteo Borrini descobriram outra suspeita de enterro de morto vivo na Ilha italiana de Lazzaretto Nuovo. Nesse caso, o cadáver se provou pertencer a uma mulher bastante idosa, que foi depositada de bruços em um caixão de ferro. Não bastasse esse cuidado, um pedaço considerável de tijolo foi colocado em sua boca - uma forma documentada de exorcismo medieval praticada em suspeitos de vampirismo na Itália.

Casos macabros também estão presentes no Novo Mundo. Em 1992, operários trabalhando em um cemitério do século XVIII próximo de Connecticut, encontraram algo completamente incomum: a tumba de um homem de 50 anos cuja cabeça foi decapitada, enquanto os ossos de suas pernas foram serrados e dispostos em um padrão que remetia ao símbolo de "caveira e ossos". Ao lado numa tabuleta de madeira, lia-se as palavras "ravenant", um dos correlatos do vampiro moderno.

Um exame dos restos determinou que o homem morreu de uma doença que na época era chamada de "consumo" - que hoje nós conhecemos como tuberculose. Um verdadeiro flagelo na época. Aqueles acometidos por doenças infecciosas manifestavam sintomas que podiam ser confundidos com vampirismo - palidez, perda de peso e aparência macilenta ou cadavérica. O temor fazia com que as pessoas tentassem se precaver e evitar que esses suspeitos se erguessem de suas tumbas. Uma cruz de prata foi pregada na tampa do esquife o que demonstra que os cuidados justificavam usar algo valioso como prata como precaução.


O desejo dos mortos por sustento era um temor constante. Segundo o folclore de vários povos, os mortos precisavam se alimentar de sangue, fluidos, linfa, bile... diferentes substâncias que, em comum, são extraídas do corpo pulsante dos vivos. 

O temor de que um morto se levantasse de uma sepultura para espreitar um vilarejo era uma preocupação bem real. Alguns povos possuíam regras muito rígidas de como dispor dos mortos, como enterrá-los e como cuidar para que eles não voltassem. A mera suspeita de que alguém pudesse ser um vampiro despertava um pavor profundo que motivava pessoas a "fazer o que era certo", ainda que agissem de forma clandestina uma vez que as autoridades religiosas quase sempre considerassem o ato de profanar um cadáver sacrilégio.

De todos os métodos empregados, a decapitação era o favorito. Existia a crença de que cadáveres cuja cabeça fosse separada do corpo não poderiam renascer, ou ao menos não poderiam se alimentar do vivos. Isso não impedia que em algumas regiões do leste europeu vigorasse a suspeita de que corpos ainda que sem cabeça pudessem escavar a terra e predar os vivos.

Entre os métodos mais incomuns, havia uma série de superstições locais que incluíam queimar o corpo, marcá-lo com um ferro em brasa, remover seus dedos e genitais, serrar os pés e até perfurar os olhos e preencher as órbitas oculares com chumbo derretido. Os dentes em alguns casos eram completamente arrancados com faca ou porrete para que eles não pudessem ser usados contra os vivos, a garganta por vezes era cortada ou obstruída com terra e a língua - para alguns um vetor da doença, era cortada e inserida no ânus. Cordas, correntes e outros métodos de captura também eram utilizados mas nesse caso como precaução para que o cadáver ainda que desperto não fugisse e eventualmente se desfizesse de fome.

Um costume muito curioso usado na Itália visava assustar o vampiro e fazer com que ele não deixasse sua tumba. Um espelho era colocado na entrada da tumba, a proposta era de que o vampiro se deparando com sua própria imagem ficaria assustado e não teria coragem de se levantar. Em uma tumba na Sérvia, arqueólogos encontraram um cadáver encerrado em uma armadura de metal sem articulações, uma verdadeira prisão de ferro da qual um vampiro, mesmo com todos os seus poderes, não poderia se livrar.


Hoje, muitos arqueólogos acreditam que a falta de compreensão de doenças e de condições físicas eram a principal causa do mau entendido que levava muitas pessoas a serem enterradas como vampiros. A pouca compreensão sobre a decomposição também era uma causa comum. Cadáveres encontrados em seu lugar de descanso que por algum motivo não se deterioravam eram vistos com suspeita. Na crença medieval, um cadáver que não se decompunha era uma temeridade, a não ser que ele fosse um morto ilustre e candidato a beatitude. A linha entre a santidade e vampirismo era tênue, tão limítrofe que alguns cadáveres mumificados de supostos santos acabaram sendo vistos, décadas depois, como prováveis vampiros. Nesse caso, muitos deles acabavam destruídos para "evitar o pior".

Embora muitos americanos e europeus no século XIX estivessem familiarizados com as vicissitudes do corpo humano, não se sabia muito a respeito do que acontecia com um cadáver meses ou anos depois de seu sepultamento. Para todos os efeitos, a crença de que o morto deveria voltar a ser pó, era esperado e qualquer coisa diferente disso levantava presunções. Em pleno século XIX, quando a ciência já desabrochava, em uma cripta da cidade de Boston, doze cadáveres foram removidos de seu descanso e devidamente decapitados pela suspeita de não estarem totalmente mortos, já que não haviam se decomposto por completo.

Ao que parece, o vampiro na Polônia que já não foi o primeiro, dificilmente será o último. 

Ao redor do mundo, continua-se encontrando tumbas malditas onde os restos de supostos vampiros repousam por um tempo muito mais curto do que a eternidade.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Especialidades do Investigador - Uma Regra Opcional para Rastro de Cthulhu

Sem sombra de dúvidas uma boa partida Pulp em Rastro de Cthulhu conta com uma boa gama de rolagens de dados nas Habilidade Gerais, permitindo aos Investigadores esbarrarem em momentos tensos, pondo seus pescoços à prova. Isso faz os jogadores sentirem a fragilidade de seus Investigadores diante da grandeza do Mythos, em especial quando lidam diretamente com as entidades inomináveis.

Esses dias, um artigo publicado no site da Pelgrane Press, ampliou ainda mais as possibilidades no uso das Habilidades Gerais (que em minha opinião, fará parte do sistema Gumshoe em todas as próximas publicações) com o uso de algo semelhante a "especializações" em tais. A nova regra é primorosa e nos faz pensar nas mil possibilidades que isso pode gerar. Acredito que esse artigo é apenas um começo para diversas novas combinações e uso de tais características que pões a vida e a sanidade de nossos investigadores à prova.


Confiram o artigo abaixo, traduzido com exclusividade para o Mundo Tentacular.

Iä, Iä! Cthulhu Ftagn!

Artigo traduzido originalmente de: http://pelgranepress.com/site/?p=15288

Autor Original: Gareth Ryder-Hanrahan
Tradução: FS

Pessoas Comuns: Especializações

Em todos os jogos que usam o sistema Gumshoe, há um benefício por possuir 8 pontos em Atletismo – seu limiar de acerto é elevado em 1. Night’s Black Agents ampliou a aplicação dessa regra para todas as Habilidades Gerais – se você investir oito dos seus preciosos pontos de criação em uma habilidade em particular, você ganha uma “especialização”, que nada mais é que uma capacidade especial para representar o seu domínio sobre tal habilidade.

Então, para suas partidas com altas doses de ação Pulp, segue abaixo um bom grupo de “especialidades” Cthulhoides que ampliam as diversas habilidades.

Armas Brancas: Arma Favorita

Escolha sua arma branca favorita. Você procura a força e a coragem na familiaridade do que possui na mão. Uma vez por aventura, você pode ganhar 4 pontos de Estabilidade se estiver brandindo sua arma. Com essa arma ao seu lado, não há nada que que não possa enfrentar.

Armas de Fogo: Nervos de Aço

As dificuldades para os testes de Armas de Fogo não são alterados quando você estiver Abalado.

Briga: Golpe Certeiro

Você pode realizar um segundo ataque usando Briga por rodada, contato que tenha acertado o primeiro. O segundo ataque custa uma quantidade de pontos de Briga igual ao dano do primeiro ataque (então, se você conseguiu um 2, esse é o valor de pontos de Briga para um segundo ataque).

Condução: Gatilho No Volante

Você é capaz de manobrar o carro para facilitar a vida de seus passageiros que estão atirando através da janela do veículo (não pediremos detalhes sobre como você aprendeu esse tipo de truque). Você pode transferir até 4 pontos de sua Condução para a reserva de Armas de Fogo de seus passageiros no início de uma perseguição usando um veículo. Pontos não gastos são perdidos ao fim da perseguição.

Disfarce: Identidade Alternativa

Você possui uma segunda vida bem estabelecida, com amigos, posses, documentação – possivelmente até mesmo uma casa e família. Esta personalidade alternativa deve possuir Crédito de forma independente de sua personalidade principal (a mesmo que você tenha fingindo ser essa outra pessoa desde de o principio da campanha). Possuir um nível 8+ em Disfarce permite a você possuir uma identidade alternativa; você pode comprar outras para cada 4 pontos de experiência gastos).

Equitação: Montando Pólipos Voadores

Você pode montar qualquer coisa, inclusive criaturas do Mythos como Shantaks. Ainda melhor, se uma criatura é apresentada a você como uma montaria, e esse for o único propósito de tal ser, então toda a perca ligada a Estabilidade por ver tal criatura é reduzido em 2.

Explosivos: Um Última Cartada

Você pode gastar pontos de Explosivo nos testes de Precaução para obter dinamite ou explosivos semelhantes.

Fuga: Apagão

Uma vez por aventura, quando falhar em um teste de Fuga ou estiver prestes a ser consumido por outros horrores, você pode declarar que apagou. Quando acordar, você estará em algum local seguro. Você não faz a mínima ideia de como conseguiu escapar ou onde está no momento e talvez tenha deixado itens ou até mesmo seus companheiros para um destino terrível. Mas você está a salvo, o que já é alguma coisa.

Furtividade: Fique Aqui

Enquanto alguém segue suas instruções, eles podem receber os benefícios de seu teste de Furtividade, como mostra as regras na página 57, mesmo quando não estiver presente. Então, se você instruir um companheiro Investigador a se esconder no mato e rastejar até chegar À estrada, ele pode se beneficiar de seu teste de Furtividade se fizer exatamente como você disser.

Hipnose: Fascinação

Você pode tentar hipnotizar em assuntos que não são necessariamente a especialização da área. O assunto deve estar aberto à possibilidade de sua influência – você pode hipnotizar alguém com quem esteja conversando ou o porteiro do clube, mas você não pode hipnotizar o assaltante que está preste a te roubar ou o cultista que tem por intenção sacrificar você a algum deus alienígena. Aumente a dificuldade de qualquer teste de hipnotismo usando essa habilidade em +2 (colocar alguém em um transe sem a sua cooperação é dificuldade 5; implantar falsas memórias é dificuldade 7).

Ocultação: Sentir Armadilhas
Você pode gastar pontos de Ocultação quando realizar um teste de Sentir Perigo se houver a ameaça de uma armadilha ou outro perigo iminente oculto, como um fosso encoberto ou um desabamento iminente.

Perseguição: Embaixo do Seu Nariz

Sempre que realizar uma rolagem de Sentir Perigo enquanto persegue alguém, você ganha 2 pontos em uma reserva que pode ser gasta em Coletar Evidência, Arrombamento, Disfarce, Punga ou Furtividade. Você perde os pontos não gastos dessa reserva se parar de perseguir e sair de se encalço ou for descoberto.

Pilotagem: Sempre Há Um Avião

Uma vez por aventura você pode pedir ao Guardião para introduzir uma aeronave que você tenha condições de pilotar. Pode ser o seu avião particular que você havia enviado para fora. Talvez um avião que possa tomar emprestado ou um avião que sofreu um acidente e seja possível o conserto. Talvez os próprios cultistas possuam um avião.Em todo caso, há sempre um avião nas proximidades que você pode usar/pegar emprestado/roubar durante qualquer momento da aventura.

Precaução: Preparado Para a Expedição

Se você tiver tempo para se prepara e empacotar alguns itens para uma expedição, então você trará o suficiente para todos. Quando for bem-sucedido em uma rolagem de Precaução para obter qualquer item, você pode gastar um ponto extra para possuir esse mesmo item para todos no grupo. Por exemplo, se você usar Precaução para declarar que consegue uma lanterna elétrica, então pode gastar um ponto extra para fornecer uma lanterna semelhante a cada um que faz parte do grupo.

Primeiros Socorros: Cirurgião

Possuir Primeiros Socorros em nível 8 ou mais concede 1 ponto grátis em Medicina ou Farmácia, à escolha do jogador.

Psicanálise: Percepção

Um nível 8 ou mais em Psicanálise fornece um ponto gratuito em Convencimento ou Avaliar Honestidade (à escolha do jogador).

Punga: Tá Aqui, Um Extra Que Consegui Mais Cedo

Com um nível 8+ em Punga, uma vez por investigação, você pode declarar que roubou algo retroativamente nas cenas anteriores. Você precisa entrar na mansão próximo ao cais para fugir dos Shoggoths furiosos? Ainda bem que você vasculhou os bolsos do caseiro mais sedo, e ai está a chave que você precisa! Você ainda precisa realizar o teste de Punga para conseguir o que está precisando.

Reparos Elétricos: Visão Alienígena

Sua compreensão intuitiva da eletricidade e magnetismo fornece a você uma visão através dos dispositivos que vão muito além das tecnologias insignificantes da humanidade. Você pode gastar quatro pontos de Reparos Elétricos para ativar um dispositivo alienígena, como os dispositivos cilíndricos para cérebro dos Mi-Go ou as Armas de feixe dos Yithianos. Você consegue fazer tais dispositivos funcionarem, mas não necessariamente o que eles fazem ou como controlá-los.

Reparos Mecânicos: Um Belo Chute!

Uma vez por aventura você pode ser bem-sucedido em uma rolagem de Reparos Mecânicos. Você pode chutar o motor de um avião para que ele volte a funcionar em pleno voo durante uma queda livre ou destravar uma metralhadora emperrada.

Sentir Perigo: Reflexos Rápidos

Se você gastar pontos em um teste bem-sucedido de Sentir Perigo, você recebe esses pontos de volta para uma reserva que só pode ser gasta em teste de Armas de Fogo, Armas Brancas, Atletismo, Briga e Fuga na primeira rodada de combate ou em testes imediatamente após à complicação que foi sentida. O tamanho máximo dessa reserva é igual aos pontos gastos no teste de Sentir Perigo. Por exemplo, digamos que a dificuldade em Sentir Perigo seja 5. Você gasta 3 pontos e consegue um 4, para um total de 7, batendo a dificuldade por 2. Você ganha esses 2 pontos de volta, que podem ser gastos imediatamente para atacar ou escapar do perigo.

Se você rolou um 6, você consegue bater a dificuldade de 4 e ainda consegue os 3 pontos de volta.

*     *     *

Rastro de Cthulhu é um jogo de interpretação de horror que se passa na década de 1930 criado por Kenneth Hite e produzido sob autorização da Chaosium

Independentemente se estiver jogando no modo Pulp ou Purista, o sistema Gumshoe permite momentos tensos, emocionantes aventuras de investigação onde o desafio está na interpretação de pistas e não em encontrá-las. 

Compre Rastro de Cthulhu e seus suplementos e aventuras na loja da Editora Retropunk, a Retrostore.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

"Ele foi a Lenda" - Nota de falecimento do escritor Richard Matheson


Richard Matheson, cujas novelas, estórias curtas, roteiros para cinema e televisão criaram a base para dezenas de filmes e séries de ficção científica e horror, morreu sábado passado em sua casa em Calabasas, Califórnia. Ele tinha 87 anos.

O Sr. Matheson era dono de uma imaginação prolífica, uma questão central em sua obra era "E Se?", na qual ele lançava possibilidades para acontecimentos e eventos inimagináveis e forçava seus leitores a perguntar como a humanidade enfrentaria esses dilemas. Apesar de se concentrar no universo da ficção, Matherson sempre gostou de dizer que mesmo as suas estórias mais incomuns tinham um quê de realismo e verossimilhança. Por exemplo, depois de ter uma experiência assustadora, sendo perseguido por um caminhão numa rodovia isolada, ele escreveu o conto "Duel". Nesse conto, Matherson demonstrava uma de suas características mais marcantes: a construção do suspende, mistério e um final inesperado. A estória se tornou a base para o primeiro filme da carreira de Steven Spielberg, estrelado por Dennis Weaver.

Uma de suas primeiras novelas, "Eu sou a Lenda" se tornou um de seus trabalhos mais conhecidos. A estória sobre o último humano sobrevivente em um mundo habitado por vampiros, foi publicado em 1954 e adaptado pela primeira vez para o cinema em 1964 com o título "O Último Homem na Terra", estrelado por Vincent Price. Em 1971 ele recebeu uma segunda adaptação chamada "The Omega Man" com Charlton Heston e finalmente em 2007 uma terceira com o título original; "Eu sou a Lenda", estrelada por Will Smith.

Matheson contava que a inspiração para seu conto mais popular surgiu depois dele assistir a versão de 1931 do filme "Drácula": "Enquanto eu assistia o filme, pensei comigo mesmo, "Se um vampiro já é assustador, o que poderia ser mais assustador do que uma cidade inteira deles, um país inteiro, um mundo inteiro habitado por essas criaturas terríveis?” 

Matheson afirmava que diferente dos vampiros clássicos, os seus, tinham um componente do mundo real e da paranoia que marcou sua época. "Eles não eram seres sobrenaturais, resultado de maldições góticas ou punição divina, meus vampiros surgiam mediante mutações ou contaminações. Eles eram pessoas comuns transformadas por algo terrível que podia fazer seus amigos, sua esposa, seus filhos se tornarem monstros famintos dispostos a devorá-lo". 

Stephen King, um dos grandes fãs de Matheson, falou a respeito da influência dele em sua carreira: "Matheson incentivou a imaginação de três gerações de escritores de ficção científica e horror. Sem o seu trabalho seminal em "Eu Sou a Lenda", não existiria "A Noite dos Mortos Vivos"; e sem "A Noite dos Mortos Vivos", não haveria "The Walkind Dead", "28 Dias depois" ou "Guerra Mundial Z".

A famosa novela "O Homem que Encolheu", a assustadora fantasia sobre um homem que é miniaturizado através de exposição radioativa, e tem que lutar pela sua vida em um mundo microscópico foi adaptado em duas ocasiões para o cinema - uma vez como uma estória de horror, "O Incrível Homem que Encolheu" (1957), e outra como comédia, "A Incrível Mulher que Encolheu" (1981).

No final dos anos 1990 dois de seus livros, "A Stir of Echoes" (Ecos do Além) uma estória de fantasmas, e "What Dreams May Come" (Amor além da Vida) sobre um homem perdido entre a vida e a morte, também foram adaptados para o cinema com sucesso, estrelando Kevin Bacon e Robin Williams respectivamente.

Outra novela, "Hell House" (1971), sobre quatro pessoas envolvidas na investigação sobrenatural de uma mansão assombrada, foi descrita como "O Monte Everest dos filmes sobre Casas Mal-assombradas". Ele se tornou um filme em 1973, com o título "The Legend of Hell House", estrelando Roddy McDowall. O livro, considerado uma das grandes obras sobre o tema, demonstrava o dom de Matheson para construir uma atmosfera sinistra.

Em algumas ocasiões Matheson escreveu os roteiros para a adaptação de seus livros, incluindo "Duel" e "The Legend of Hell House"; ele adaptou estórias de Edgar Allan Poe para várias produções dos anos 1960, incluindo "House of Usher," "Pit and the Pendulum" e "Tales of Terror"; ele também escreveu o roteiro para o filme "Die! Die! My Darling!," estrelado por Tallulah Bankhead que interpretava uma mãe enlouquecida que aterrorizava uma jovem culpada pela morte de seu filho.

Matheson também esteve ocupado escrevendo roteiros para a televisão. São de sua autoria os westerns "Have Gun, Will Travel," "Cheyenne" e "Lawman," e vários episódios do drama de guerra "Combat!". Mas seu nome em geral é mais associado a trabalhos de ficção científica e suspense: "Alfred Hitchcock Presents," "Star Trek" (a série clássica) e principalmente "The Twilight Zone," série em que ele escreveu mais de uma dúzia de episódios, incluindo o clássico "Nightmare at 20,000 Feet," estrelado por William Shatner como um passageiro às voltas com um gremlin disposto a derrubar o avião onde ele está viajando.

Lembrando a respeito desse episódio, Matheson contou: "Eu estava em um avião e quando olhei pela janela, em meio a todas aquelas nuvens pensei, "Nossa, parecem montanhas de neve, e se houvesse alguém lá fora esquiando nessas nuvens?". Mas quando sentei para escrever a respeito, as coisas não estavam muito assustadoras, então eu transformei o esquiador num gremlin avariando a asa do avião e as coisas começaram a tomar forma".

Stephen King escreveu uma breve mensagem a respeito da morte de Matheson: "Ele foi um pioneiro nos gêneros do horror e fantasia, um mestre tão importante quanto Poe e Lovecraft."

King prosseguiu: "Suas estórias eram pura inspiração. Ele acendeu minha imaginação situando seus horrores não em castelos europeus ou em universos lovecraftianos, mas nas cidades americanas que eu podia reconhecer ou relacionar com o meu dia a dia. Quando eu li Matheson pela primeira vez, pensei comigo mesmo "É isso que eu quero fazer, é isso que eu preciso fazer" Matheson mostrou o caminho e eu o segui".

Richard Burton Matheson nasceu em Allendale, Nova Jersey e, 20 de fevereiro de 1926, mas cresceu no Brooklyn. Seus pais eram imigrantes noruegueses; seu pai, Bertolf, foi assistente de balcão em bares ilegais durante a Lei Seca. 

Um leitor voraz quando criança, Matheson se graduou na Escola Técnica do Brooklyn. Ele serviu no exército na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial, uma experiência que serviu como fonte para várias de suas estórias. Estudou jornalismo na Universidade do Missouri, época em que começou a escrever suas primeiras estórias de ficção. Por algum tempo ele trabalhou na Douglas Aircraft. Sua primeira estória publicada foi "Born of Man and Woman" sobre um casal que dava a luz a um monstro e o mantinha preso no sótão de casa, foi lançada em 1950.

Matheson casou-se apenas uma vez em sua vida, com Ruth Ann Woodson em 1952. Ele deixou quatro filhos, sete netos e dois bis-netos.

Perguntado a respeito de seu pai, com quem trabalhava em uma companhia, seu filho mais velho disse que Matheson mantinha sobre a mesa uma placa onde se lia a seguinte citação: "Aquilo que você imagina se torna o seu próprio mundo".

*     *     *

Essa é sem dúvida uma grande perda.

Richard Matheson foi um gigante entre os autores de ficção e horror, um mestre do gênero que deixou um legado incrível na forma de pesadelos vívidos e maravilhas indescritíveis.

Eu sou fã de três dos trabalhos mais famosos de Richard Matheson: "Eu Sou a Lenda", o conto, que é muito melhor do que qualquer de suas adaptações para o cinema merece aplausos, e qualquer entusiasta de horror precisa ler essa estória.

Em se tratando de filmes eu indico "The Legend of Hell House", difícil de encontrar, mas um filmaço que vale o trabalho. Quem cresceu nos anos 1989/1990 talvez tenha assistido esse filme de casa mal assobrada nos corujões da vida, que passavam ao longo da madrugada. Se você não está ligando o título ao filme, é aquele da infame Mansão Belasco. É um tremendo filme, na minha opinião um dos melhores do gênero casa assombrada.

Finalmente tem um episódio de Twilight Zone escrito pelo Matheson e citado nesse artigo. O nome é "Terror at 20,000 feet". Esse é o meu episódio favorito de Além da Imaginação, eu simplesmente morria de medo dele quando era criança e assim que terminei de escrever esse artigo, tratei de assistir mais uma vez. É incrível como, embora ele seja antigo, ele ainda consegue me causar calafrios.

Eu consegui encontrar "Terror at 20,000 Feet" no You-Tube, quem conhece o episódio sabe como essa pequena estória de horror é bem construída, quem não a conhece, indico ver o quanto antes.

Bons sustos!

segunda-feira, 23 de junho de 2014

O Viajante Árabe - Quem foi o verdadeiro Ibn Fadlan?


O mais importante testemunho a respeito das atividades dos Rus foi feito por Ahmed Ibn Fadlan, uma personalidade sobre a qual pouco se sabe, mas cuja Risala foi traduzida para vários idiomas. Segmentos chave são citados em livros modernos a respeito dos povos nórdicos. Foi a sua narrativa que inspirou o autor Michael Crichton a escrever em 1976 o livro Devoradores de Mortos, a base para o filme "O 13o. Guerreiro". "Ibn Fadlan constitui uma fonte única," diz Noonan. "Ele estava lá, e foi capaz de descrever em detalhes os acontecimentos. Ele descreve como as caravanas viajavam, como elas cruzavam montanhas e rios. Ele fala a respeito da flora e fauna encontrada na jornada. Ele mostra exatamente como o comércio da época era realizado. O relato é completo, vibrante, algo que remete a realidade."
Ibn Fadlan foi um faqih, um especialista em jurisprudência Islâmica, que serviu como secretário geral da delegação do Califa al-Muqtadir em 921 que visitou o Rei dos Búlgaros, e ofereceu conselhos a respeito de negócios. Eles auxiliaram o monarca a construir um forte e um mosteiro, bem como o instruíram nos princípios da religião islâmica. Os Búlgaros na época eram súditos dos turcos Khazar e falavam um dialeto derivado do árabe. Um grupo migrou para o oeste e foi assimilado pelos eslavos que fundaram o que se tornaria a moderna Bulgária, a oeste do Mar Negro; um outro grupo se estabeleceu no norte do Volga, onde continuaram servindo aos Khazars, cujo domínio no Cáucaso se estendia até o Mar Cáspio, marcando a fronteira com o Império Abássida. Buscando uma aproximação com Bagdá, o Rei dos Búlgaros pretendia uma aliança que o livrasse dos Khazars.
Presumivelmente a fim de evitar passar pelas terras dos Khazar, a delegação do Califa optou por circular a Capital da Bulgária, onde acabaria sendo recebida pelo monarca. Ibn Fadlan se tornou amigo do Rei, e o impressionou a tal ponto que este lhe deu o apelido de kunya, que significa "confiável" - um título honorífico de grande importância e distinção.

A delegação árabe viajou mais de 4000 quilômetros desde Bagdá até o Reino da Bulgária. Em sua Risala, Ibn Fadlan descreve os vários povos que encontrou na sua viagem, sendo que dedicou boa parte de sua narrativa exclusivamente aos Rus. "Eu jamais vi um grupo de indivíduos tão perfeito fisicamente, altos como palmeiras, fortes, saudáveis, com cabelos e pele clara," ele escreveu, "Cada homem tem o seu próprio machado, sua espada, e uma faca que mantém ao alcance da mão a todo tempo. São guerreiros ferozes, mas honrados. Os homens tem tatuagens complexas, feitas com tinta verde escura que lhes cobrem os dedos, os braços e até o pescoço."
O artesanato nórdico e o talento desse povo para a joalheria é bem descrito por Ibn Fadlan que fala também da presença de mulheres Rus vestidas com seda, ouro e prata., "Os tesouros mais valiosos para as mulheres são contas de vidro verde, que elas usam ao redor do pescoço. Elas usam essas peças como moeda e trocam pelo nosso dirham de prata. Essas contas de vidro são perfuradas e usadas ao redor do pescoço em longos colares. Elas usam também broches ovalados presos às capas, amarradas aos cabelos longos ou presas à bainha das facas que pendem na cintura". Ibn Fadlan descreve "armaduras de couro reforçado que mesmo as mulheres gostam de usar ara proteção".
Apesar de elogiar os Rus, Ibn Fadlan não os poupou quanto aos seus hábitos higiênicos: "Eles devem ser as mais imundas criaturas que Deus colocou na Terra," observou. Embora tenha reparado que os Rus lavavam mãos, face e cabelos ao menos uma vez ao dia, ele ficou perplexo com a maneira como o faziam: "é uma das coisas mais nauseantes que já testemunhei" escreveu o árabe ao contar que os Rus usavam uma mesma bacia comunal onde todos se lavavam, um costume Germânico disseminado entre os povos nórdicos. Apesar disso, ele afirmava que as roupas eram mantidas limpas e sempre que necessitavam recebiam costura.

O contato com o islã fez com que alguns Rus abraçassem a religião, embora Ibn Fadlan astutamente percebesse que velhos hábitos eram difíceis de serem esquecidos: "Eles gostam muito de carne de porco e de bebidas fermentadas, e é um grande sacrifício para eles se abster desses alimentos."
A maioria dos Rus continuava a observar suas práticas religiosas, que incluíam a oferta de sacrifícios. Ibn Rustah menciona o trabalho dos sacerdotes Rus que viajavam com os comerciantes e que tinham um alto status entre seus compatriotas. O árabe testemunhou um ritual no qual mercadores Rus celebraram a travessia segura pelo Volga em 922. Ibn Fadlan descreveu como eles rezavam para seus deuses misteriosos e ofereciam figuras de entalhadas em madeira que eram lançadas na água. .
Ele também escreveu a respeito de um dramático funeral ocorrido nas margens do Volga, em que um chefe Rus foi cremado com seu barco e tesouros. Sua descrição dessa cerimônia é tão rica que por muito tempo foi considerada a mais fiel já feita - "Tesouros de ouro e prata, belas armas e ornamentos jaziam aos pés do velho chefe que foi colocado deitado no centro do barco de fundo chato. Haviam jarros com bebida forte e carne salgada, bem como seu cão favorito, um boi, um pônei e os corpos de duas garotas que em vida foram suas escravas, ambas voluntárias para acompanhar seu senhor na jornada do pós-vida. O barco foi embebido com alcatrão e quando chegou ao meio do lago foi incendido ardendo furiosamente até afundar levando o líder e sua riqueza para as profundezas". 
Além disso, Ibn Fadlan também comentou que os Rus tinham um fraco para a bebida e para as brincadeiras agressivas ou de conotação sexual. Para um devoto religioso, esse comportamento era chocante, mas o árabe compreendia que aqueles eram costumes tolerados: "Os homens gostam de contar vantagem, piadas e estórias sobre suas proezas amorosas. Nem todas são verdadeiras, mas eles se divertem com isso".
O cronista devotou boa parte de sua narrativa elogiando as habilidades marciais dos Rus. "Estes homens são incrivelmente valentes e a coragem não esmorece em momento algum". Ele comentou que cada um deles carregava um arsenal de armas letais, incluindo lâminas, escudos, armaduras, adagas, machados e martelos. Ele percebeu que as armas eram muito bem feitas e que a lâmina das espadas permanecia afiada por um bom tempo, mesmo com o uso contínuo.

Embora as relações entre os comerciantes Rus e povos árabes tenha sido em geral pacífica, houve algumas situações delicadas que descambaram para violência. Nas proximidades do Mar Cáspio, uma tribo de Rus se voltou contra muçulmanos em pelo menos duas ocasiões durante o século X. Eles saquearam a cidade de Abaskun em 910, e depois em 912 a cidade de Baku, matando e conquistando espólios. Nessa campanha em especial, oficiais árabes teriam sido enviados com tropas para capturar os Rus tratados como bandidos. Al Muhadi, um historiador da época comenta que os Khazar emitiram uma ordem de captura dos "estrangeiros de cabelos e pele clara, acusados entre outras coisas de atacar, roubar e assassinar cidadãos indefesos sob  a proteção Khazari". Desse grupo rebelde, alguns poucos teriam escapado para a Bulgária onde foram capturados e executados pelo Rei aliado dos árabes. Mas estes foram casos isolados.
Ibn Fadlan firmou uma amizade duradora com os Rus e chegou a empreender a longa viagem até o Norte da Europa e a terra dos Nórdicos. A viagem teria ocoriido em 929, com a primeira parte o levando até Córdoba, na Península Ibérica, à época governada pelos árabes. Desse ponto, existiam rotas de comércio consolidadas que levavam mercadores rumo a Escandinávia com relativa facilidade. Contando com amigos e aliados entre os Rus que ele havia conhecido na Ásia, Ibn Fadlan foi recebido com respeito e curiosidade pelos nórdicos em sua visita. Ele se estabeleceu na cidade mercantil de Hedeby, na atual Dinamarca, onde se impressionou com o tamanho da cidade. 

"Hedeby era barulhenta, cheia e suja, com os habitantes pagãos pendurando animais para sacrifício em postes de madeira no meio das ruas, em frente das casas. As pessoas se alimentam de peixe, porque há pesca abundante. Apesar de ser uma cidade grande, as pessoas parecem se conhecer e são normalmente amistosas e curiosas quando encontram alguém diferente deles próprios. Eles constantemente fazem perguntas a respeito de minha terra natal e se mostram intrigados com nossos costumes".   
Como Ibn Fadlan escreveu, as diferenças culturais eram incrivelmente vastas: "Uma terra onde o sol raramente brilha sobre a cabeça de seus habitantes acaba conspirando para uma atmosfera opressiva", escreveu ele quando a saudade de sua terra já se fazia sentir. O cronista resolveu retornar para a Espanha moura seis meses após a sua visita a Dinamarca e quando chegou a Córdoba escreveu várias cartas a respeito dos costumes e tradições de seus anfitriões do norte gelado.


Hoje, mais de um milênio depois, historiadores ainda buscam nas cartas escritas por Ibn Fadlan, informações a respeito do contato travado entre duas culturas muito diferentes que um dia andaram lado a lado. As moedas árabes encontradas pelos arqueólogos na Escandinávia (mais de 10 mil delas!) constituem uma prova inequívoca de que o comércio entre árabes e nórdicos floresceu por algum tempo e que os dois povos se beneficiaram com esse inusitado contato.

Contudo, o maior débito que os escandinavos tem para com os povos muçulmanos repousa em manuscritos que revelam como era a vida de seus antepassados. Neles, vozes silenciadas há séculos podem ser ouvidas e compreendidas por pesquisadores interessados em conhecer o passado dos Rus e as suas inúmeras façanhas. 

domingo, 22 de junho de 2014

Navegadores Audazes - As Jornadas dos Vikings ao oriente


Mais de um milênio atrás, temidos saqueadores vindos do norte gelado lançavam medo no coração de todos que viviam na Europa Ocidental. Outros povos nórdicos entretanto se voltaram para o comércio e para rotas que os levavam para o oriente. Com grande ousadia e força de vontade, eles carregavam mercadorias exóticas: peles, âmbar, ferramentas e artesanato para os povos que habitavam as estepes que hoje conhecemos como Ucrânia, Bielorrússia e Rússia. Em suas viagens encontraram mercadores muçulmanos que pagavam pelas mercadorias trazidas de longe com moedas de prata, que os nórdicos não cunhavam, mas que cobiçavam.
Haviam várias rotas, e em meados do século X, uma rede de comércio regular foi estabelecida. Alguns desses comerciantes viajavam por terra e por rio, enquanto outros navegavam pelo Mar Cáspio e Negro, juntavam-se a caravanas e cavalgavam nas costas de camelos até grandes cidades como Bagdá, que na época estava sob o governo da Dinastia Abássida e tinha uma população de quase um milhão. Lá os comerciantes da distante Escandinávia encontraram um empório que ia muito além de seus sonhos, uma vez que nada em suas terras se comparava àquilo.
Para os árabes em Bagdá, a presença dos nórdicos não causava surpresa, uma vez que eles já estavam acostumados a encontrar povos das mais variadas culturas e civilizações. Eles também eram excelentes observadores, sempre interessados em se familiarizar com costumes de terras distantes. Os historiadores abássidas e os enviados do califado anotaram detalhes a respeito desses comerciantes, deixando um valioso registro que lança uma nova luz sobre um capítulo pouco conhecido da história desses povos.
Desde as primeiras invasões nórdicas à Inglaterra no início do século VIII e ao longo dos 300 anos que se seguiram, os navegadores escandinavos se aventuraram mais longe do que qualquer outro povo na Europa. Eles se lançaram ao mar, mapeando o Atlântico Norte, fundaram colônias e até estabeleceram assentamentos na América do Norte pouco depois da virada do milênio. Essas explorações voltadas para o oeste eram realizadas por povos das atuais Noruega e Dinamarca, enquanto jornadas para o leste eram empreendidas predominantemente por suecos que chegavam a destinos tão distantes quanto Kiev e Novgorod, onde a elite que enriqueceu com esse comércio se converteu em governantes e príncipes. Foi nessas terras que eles encontraram pela primeira vez historiadores árabes.
Os estudiosos muçulmanos não chamavam aqueles homens altos, loiros e de pele clara de "Vikings," ou mesmo "nórdicos", preferiam o termo Rus (pronuncia-se "Roos"). A origem do termo é obscura, e embora alguns apontem similaridade com um dialeto sueco, não se sabe ao certo de onde ele surgiu. Ainda assim, escritores bizantinos e árabes se referiam aos comerciantes e colonizadores suecos genericamente pelo nome Rus, que séculos mais tarde daria origem ao nome da moderna Rússia. 

Esse nome era aplicado apenas aos povos do leste. Na França e Sicília, os navegadores nórdicos eram conhecidos como Normandos. Uma guarda de elite formada no Império Bizantino, composta por estrangeiros com descrição similar aos nórdicos era conhecida como Varangianos. Em al-Andalus (a Andaluzia governada pelos árabes), na Espanha Mourisca, eles eram chamados de al-majus, ou "adoradores do fogo," uma referência pejorativa às suas práticas pagãs.
Além da própria Escandinávia, apenas os povos britânicos chamavam os saqueadores de "Vikings," e essa palavra decorre de vik, ou baía, e Viken, como Fjordes eram chamados. Outras fontes acreditam que o termo surgiu no Velho idioma nórdico, significando I-viking, o equivalente a "saqueadores". Mas "Viking" jamais foi um nome que se referiu a todos os povos que habitavam a região de onde eles partiam em suas jornadas. "Nós podemos nos referir a Era dos Vikings, a sociedade Viking, mas é importante entender que nem todos os povos da Escandinávia eram Vikings," diz Jesse Byock, professor de literatura nórdica na Universidade da California em Los Angeles. "Eles próprios utilizavam o termo para se referir a saqueadores que também os atacavam. Certamente o termo não servia para caracterizar fazendeiros e comerciantes que também viviam naquela região".
Na Europa Ocidental, ataques de Viking foram normalmente registrados por monges e padres cujo interesse era retratar aqueles homens como selvagens e sanguinários. E de fato, os saqueadores eram guerreiros ferozes que pareciam não temer nada, capazes de promover massacres e pilhagem. Entretanto, no oriente, as estórias eram bastante diferentes. Os Rus eram considerados exploradores, colonizadores e comerciantes, e embora eles sempre viajassem bem armados, os muçulmanos os descreviam primeiro como mercadores e depois como guerreiros. Os Rus tinham interesse no comércio Abassida e nos dirhams (a moeda corrente) que fluía pela região e que era aceita em praticamente todas as grandes cidades da época (até na China e Índia). Os árabes concordavam com esse comércio de bom grado pois era uma prática rentável para os dois lados. 
Não se saberia muito a respeito dos Rus, se não fosse pelos cronistas muçulmanos que tiveram contato com esses navegadores. De todos, o embaixador Ibn Fadlan, escreveu no século IX, uma série de Risala (Cartas) com o mais completo registro existente. Suas cartas formavam uma espécie de diário que detalhavam seu encontro com os Rus nas imediações do Volga. Ele descreveu mais tarde uma viagem empreendida a uma cidade dinamarquesa na qual revelou detalhes muito interessantes sobre as atividades do dia a dia desse povo. Outros registros, como o al-Mas'udi's, escrito em 943, e o al-Mukaddasi's, composto em 985, também mencionam os Rus de maneira respeitosa, como mercadores honestos e sérios com quem valia a pena fazer negócios. 



Diferente de muitos cronistas europeus, os escritores árabes não guardavam rancor contra os Rus, reação presente nos comentários de vários outros povos. Os relatos árabes possuem um certo afastamento e aos olhos de pesquisadores atuais, são mais confiáveis. Pesquisadores acreditam que os comerciantes da Escandinávia, aqueles que viajavam para o leste, acabaram sofrendo com a má-fama que seus compatriotas dedicados a saquear, destruir e conquistar. Uma vez que os nórdicos dispunham apenas de um alfabeto rúnico, usado majoritariamente em rituais e para marcar lugares, eles não estavam em posição de deixar um registro sobre si mesmos. Suas sagas eram compartilhadas de forma oral e dessa forma, seus heróis e deuses, não seriam conhecidos pela literatura até meados do século XII. 
Muitos dos relatos muçulmanos foram traduzidos para idiomas europeus nos últimos dois séculos, e eles tem se mostrado valiosos para interpretar evidências arqueológicas que continuam emergindo. Centenas de sepulturas da Era dos Vikings e tesouros enterrados, quando descobertos revelam moedas árabes ainda brilhantes, "a moeda que ajudou a abastecer a Idade dos Vikings," de acordo com Thomas S. Noonan da Universidade de Minnesota. Noonan é um dos maiores especialistas na Escandinávia medieval e de sua conexão com o mundo árabe, e um especialista na história da numismática.
É aceito como fato que o dirham ajudou a atrair o interesse dos navegadores nórdicos para o oriente. Prata se tornou a forma favorita de troca, mas com poucas fontes do precioso metal nas florestas do norte, eles tiveram de buscar em outros lugares. Mercadores árabes começaram a circular moedas de prata na região do Volga no século VIII, e comerciantes, desejando obter aquele tipo de pagamento pelas suas mercadorias, seguiram para o Báltico com suas embarcações abarrotadas.



Na Russia, eles foram pioneiros em desbravar o sistema de rios, rumando de um tributário para o outro, descendo corredeiras e enfrentando tribos de nômades até atingir os centros de comércio, sobretudo os mercados controlados pelos Khazars. Estes mercadores turcos haviam se tornado um poder dominante nas estepes do Cáucaso, e eles realizavam comércio com o mundo islâmico por mais de 300 anos. Aqui, em uma rede de rios navegáveis, os Rus suecos estabeleceram o primeiro contato com os árabes, persas e gregos. Daqui, alguns seguiram adiante até o Mar Negro, chegando a "Sarkland," uma terra que hoje podemos relacionar ao Azerbaidjão e norte do Irã; até a Fortaleza de Sarkel, às margens do Mar Negro; e as terras que os mercadores nórdicos chamavam de serk, significando "silk" (ou seda) para todos aqueles que pagavam grandes quantias.
As referências mais antigas sobre o contato entre árabes e nórdicos foi feito no início do século IX por Ibn Khurradadhbih, um mercador que trabalhava para o Califa al-Mu'tamid e servia como conselheiro político. Em 844 ele escreveu sobre as suas viagens e sobre os saqalibah, um termo normalmente usado para definir povos europeus de pele clara. Ele contou ter entrado em seus barcos e descreveu como eles eram marinheiros competentes. Descreveu também suas mercadorias: peles de castor, de lontra e arminho, armas de boa qualidade, artigos de couro curtido e madeira de qualidade trazidas dos recantos mais distantes. Ele descreveu que os Rus faziam transporte pelo mar, mas que também se aventuravam em terra, alugando ou comprando camelos que os levavam em caravanas até cidades na costa do Mar Cáspio. Alguns deles chegaram até Bagdá, contando com guias que falavam o idioma e serviam de intérpretes.
Bagdá, era a mais bela joia do Império Abássida. Uma cidade circular com 19 quilômetros de diâmetro, embelezada por parques, palácios de mármore, jardins, promenades e mosteiros. O mercador do Golfo, geógrafo e enciclopedista Yakut al-Rumi descrevia a cidade como um verdadeiro paraíso sobre a terra com todas as comodidades que a tornavam ela um dos lugares mais civilizados de sua época. 

Ela era muito mais avançada do que qualquer coisa da Europa. Os Rus nunca haviam visto nada como aquilo. Suas cidades não passavam de vilarejos se comparadas àquela metrópole. De fato, eles não tinham prédios maiores do que dois andares, seus muros eram baixos comparativamente e seus palácios estavam mais para casas modestas se comparadas. Ibn Rustah, um historiador da época descreveu que estrangeiros ficavam intimidados e fascinados com a grandiosidade de Bagdá, uma cidade que recebia visitantes de todos os cantos do mundo. Segundo Rustah, os Rus que visitavam Bagdá ofereciam excelentes lâminas e espadas, calças e vestimentas confortáveis e peles finas. Eles eram leais uns aos outros e preferiam a companhia de seus conterrâneos: "Sua maior preocupação é realizar comércio e retornar para suas casas, assim que negociavam suas mercadorias e recebiam seu pagamento, preparavam-se para zarpar de volta para seu porto de origem." ele escreveu, "Eles preferem moedas, que muitas vezes furam e prendem em cordões ao redor da cintura."
Os comerciantes nórdicos davam valor às moedas e aprenderam a usar o sistema de peso árabe para medir a quantidade de prata que tinham. Muitas vezes, a prata era derretida em lingotes ou em braceletes que podiam ser transportados mais facilmente. O mercado consumidor para produtos trazidos do norte da Europa foi aquecido por nobres que desejavam artigos luxuosos como pele de raposa negra, capas de arminho e botas com interior de pele de esquilo. Os senhores mais ricos e suas damas podiam pagar verdadeiras fortunas por esses artigos distintos. Outros itens comercializados incluíam cera, mel, couro de cabras, nozes secas, madeira, dentes de peixes e armas. Âmbar também era algo muito desejado, e embora os Rus não tivessem abundância dessa resina em suas terras, aprenderam a comprar carregamentos durante suas viagens e vender com um grande lucro para seus clientes árabes. Havia também espaço para o comércio de escravos, já que árabes tinham interesse de possuir escravos brancos, sobretudo como criados pessoais.

Mas e Ibn Fadlan especificamente? Quem foi o diplomata árabe que conheceu os Rus e escreveu o maior relato sobre eles de quem se tem notícia? Esse é o material da segunda parte desse artigo.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Mesa Tentacular: "O Limiar das Trevas" com o Keeper Eder Marques


Por Eder Marques

Rolou no ultimo dia 8 de junho a aventura “Edge of Darkness” no evento Dungeon West em Campo Grande, Rio de Janeiro. O evento foi super legal e é um excelente espaço que está se formando para os rpgistas da Zona Oeste.

Essa aventura foi praticamente a minha primeira experiência enquanto Keeper de Call of Cthulhu e como tal eu acho que certas arestas de minha parte podem ser aparadas, no sentido de adquirir mais ritmo para narrar o jogo e se habituar com o clima, eu creio que isso virá com o tempo. Eu tinha preparado ela no intuito de divulgar o Financiamento Coletivo do Chamado de Cthulhu, mas acabou não rolando na época.

Sempre bate aquela insegurança, se tudo vai dar certo, se vai agradar, afinal a minha “formação” como mestre é essencialmente em Dungeons and Dragons e em jogos com narrativa bem descontraída e apesar de alguns tropeços meus acho que tudo correu bem, o sistema ajuda e muito por ser fácil.

Quanto ao jogadores eu não tenho absolutamente nada do que reclamar, eles tiveram atuações fantásticas. O grupo era misto no sentido de experiências com o jogo(metade já tinha jogado e a metade que nunca havia jogado) assimilou muito bem o sistema e incorporou os personagens muitíssimo bem, diga-se algumas idéias deles foram muito boas e abriram novas possibilidades de enredo. Um erro de minha parte, creio eu, tenha sido a construção dos personagens, talvez eles tenham ficado pouco “intuitivos” para o que a aventura pedia, da próxima eu farei personagens diferentes.


A aventura em si é bem simples e vem junto do livro básico, por incrível que pareça ela é muito boa e eu acho perfeita para introduzir novos jogadores. Não dá para falar muito do enredo da aventura sem dar spoilers, ela consistia em reparar um erro do passado indo a uma casa isolada no melhor estilo evil dead, a “condição de vitoria” dela é única e qualquer outro tipo de abordagem e tudo vai por água abaixo, ela é o tipo de aventura em que as coisas podem ficar muito feias e muito rápido, e não deu outra. Com um mistura de azar (diga-se, muito azar) e uma escolha pouco convencional (mas absolutamente plausível) resultou em um grandessíssimo TPK, é a vida, isso acontece em CoC e é parte do charme do jogo.

Eu aproveitei alguns props que o Luciano tinha me passado e expandi-os além de acrescentar alguns outros, e eles facilitaram imensamente a minha vida, aliais sem eles eu teria tido muita dificuldade em narrar. Além disso eu fiz uma minuta de planejamento bem detalhada e é algo que eu pretendo adotar em todas as minhas mesas a partir de agora.

Para concluir eu tiro o saldo positivo e o negativo da experiência: De positivo, foi que a contamos uma boa estória, que os props fazem a diferença, que uma minuta ajuda e que o sistema é fácil (de ensinar, aprender e mais importante, jogar). De negativo é que os personagens não foram os ideais, que eu devo prestar mais atenção em alguns detalhes e que ambiente para jogar é muito importante (o local em si é ótimo, mas a acústica atrapalhou um pouco e isso deu uma quebrada no clima).

E a conclusão com um legítimo TPK (Total Party Kill)
Eu devo confessar que Call of Cthulhu é um jogo que mudou muitos paradigmas para mim enquanto rpgista, hoje eu posso afirmar que é um dos meus jogos favoritos. 

Foi uma experiência extremamente gratificante e eu espero que seja apenas o começo de uma longa carreira de Keeper.

*     *     *

E é assim que o Culto de Cthulhu continua crescendo.

Bem vindo ao comando da nau que conduz os insanos, Keeper Eder!

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Buscando Inspiração para seu RPG - O 13o Guerreiro (Parte 2)

E voltamos com a conclusão do artigo com ideias, sugestões e cenas inspiradas pelo filme "O 13o Guerreiro".

Como esse artigo foi dividido em duas partes, recomendo quem não leu a anterior, que o faça para não perder o fio da meada. E sem demora, vamos voltar ao ponto onde paramos...

4 - Inimigos que se aproveitam de lendas


Esse é um clássico incontestável em várias mesas, mas que nem sempre é usado.

Nada pode ser mais assustador e causa um efeito mais devastador do que incorporar elementos sobrenaturais ao comportamento, aparência e às ações dos vilões.

Em "O 13o Guerreiro" há uma cena emblemática sobre isso:

Quando um dos aldeões descreve os horríveis saqueadores que vem atacando seu vilarejo, matando homens e sequestrando mulheres, ele diz: "Dentes de leão, garras de urso, mãos que destruiriam um escudo. Eles chegam a noite com a neblina. Sempre na escuridão como se enxergassem no escuro. Andam em duas e quatro pernas, como homens e ursos".

Os inimigos dos guerreiros nórdicos não passam de homens, mas eles assumem uma aura tão assustadora que até a metade do filme ninguém sabe ao certo com o que se está lutando. Para piorar a coisa, os caras realmente acreditam que são ursos, encarnam a ferocidade e a força desses animais e quando são mortos, jamais deixam para trás seus colegas, para que a mística não se quebre e se descubra que por baixo das peles, máscaras e pinturas eles não passam de homens.

Porque não incorporar isso às suas aventuras? Que tal uma tribo de orcs que usa como indumentária assustadoras armaduras de lagartos, que faz com que eles pareçam terríveis monstros draconianos. O que dizer de um bando de selvagens de uma ilha dos mares do sul que pinta seus corpos com tinta esverdeada, cobrem-se com musgo e máscaras com tentáculos? Ou quem sabe um bando de goblins que engenhosamente enganam os supersticiosos habitantes de um vilarejo simulando que vários deles uns nos ombros dos outros são ogres ou gigantes. 

Ao se deparar com essas ilusões, os jogadores não saberiam dizer ao certo o que estão enfrentando. Adicione à ilusão um rugido horrível, labaredas flamejantes, gritos alucinados, fedor de enxofre, luzes fantasmagóricas e pronto... a imaginação dos personagens/ jogadores irá contribuir criando algo muito mais assustador.     

5 - Construindo Defesas



Uma outra cena interessante no filme é quando os guerreiros nórdicos chegam ao vilarejo com o objetivo de salvar seus habitantes do constantemente ataque dos saqueadores. Eles analisam o local assim que chegam.

Um elemento essencial para obter vantagem num combate é conhecer o terreno e adaptá-lo da melhor maneira possível para servir aos seus propósitos. Quando um dos guerreiros vê a situação do vilarejo ele comenta com o líder do grupo: "Eles não tem cerca ao redor do vilarejo, nem fosso..." diz olhando ao redor. O líder acena coma  cabeça e diz "Teremos de dar um jeito nisso"!

Estar preparado para uma batalha pode ser metade do caminho para a vitória e serve também para equilibrar as coisas.

Eu lembro da sequência final de Conan, o Bárbaro. Nas palavras do cimério, interpretado por Arnold Schwarzenneger, quando ele reza para Crom "dois irão enfrentar muitos e por isso precisamos de toda força possível". Mas como Conan não é bobo e sabe que Crom raramente ajuda, melhor se precaver... ele passa um dia inteiro preparando o terreno para a batalha final. Monta armadilhas mortais, espalha armas em lugares chave para onde possa correr e se proteger, escolhe pontos chaves para enfrentar oponentes montados... e é claro, tudo isso é fundamental para enfrentar os inimigos que vem em peso.

Outro exemplo? "A Sombra e a Escuridão". Nesse, dois caçadores às voltas com leões devoradores de homens no Quênia, fazem os preparativos para enfrentar as feras. Eles espalham por todo o acampamento cercas de espinhos, deixam tochas acesas para espantar os animais e permitem apenas um caminho livre para que eles sejam atraídos justamente onde pretendem montar uma emboscada. Preparativos, preparativos, preparativos... dizem que "um plano ruim é melhor que não ter plano nenhum".  

Em "O 13o Guerreiro" nós vemos os preparativos sendo feitos para a batalha. As cercas são colocadas ao redor do vilarejo, postos de guarda distribuídos, trincheiras escavadas, estacas de madeira fincadas para evitar a aproximação de cavalaria. Tudo isso é montado para que a batalha de poucos contra muitos possa ser minimamente equilibrada.

Em nossas mesas de jogo raramente vemos isso acontecer... os combates geralmente são travados em áreas pré-determinadas, com uma geografia estática já traçada, sem que o ambiente possa ser manipulado para conceder alguma vantagem. No mundo real raramente as coisas funcionam dessa maneira: qualquer combatente com o mínimo de conhecimento de estratégia vai querer puxar a luta para um ambiente mais vantajoso... e isso é verdade desde que 300 Espartanos perceberam que a passagem estreita nas Termópilas anulava a vantagem numérica de seus inimigos persas.

Em termos de jogo, como emular esse conhecimento de campo de batalha? Acho que um ponto chave é determinar qual a experiência militar dos personagens, se eles conhecem algo de estratégia e qual a inteligência deles. Juntando esses três fatores, um combatente experiente (e com tempo de se preparar) deveria ser capaz de formular algum plano melhor do que simplesmente encontrar o inimigo num descampado e trocar golpes até um deles cair morto. Construir obstáculos, armadilhas, lugares para reagrupar, proteção contra disparos à distância, etc...

6 - Ninho de Poder do Líder




Ainda ligado a questão dos preparativos, é preciso ser justo... o que vale para os protagonistas, é claro, vale para os antagonistas.

Um vilão com o mínimo do discernimento vai estar preparado para enfrentar seus oponentes. Em geral, um vilão digno de usar esse título, terá ao seu dispor asseclas, guardas, proteções mágicas, armadilhas e outras traquitanas que garantem (ao menos em parte) a sua segurança. Um vilão minimamente inteligente aguarda os heróis em seu covil e espera por eles para a batalha final. Isso força os heróis a passar por suas defesas, se desgastando, sofrendo ferimentos e tendo de exaurir suas reservas de poder. 

Nenhuma novidade até aqui... 99% das aventuras de RPG prevem que o inimigo líder estará escondido no último aposento da masmorra, no derradeiro salão do castelo inexpugnável ou nas profundezas de um templo profano onde comunga com seus deuses malignos.

O que me toquei assistindo o filme é que nem sempre esse "ninho de poder" oferece alguma vantagem ao vilão além de ser a última área oculta do mapa. Oras... pense assim, o vilão sabe que os heróis estão à caminho, ele sabe que é questão de tempo até esses caras persistentes derrubarem as suas defesas e chegarem até ele para o "showdown". 

O que ele deveria fazer? Ele deveria se preparar para a batalha, deixar suas magias prontas, contatar seus guardas mais eficientes para montar uma proteção, invocar criaturas antecipadamente, se "combar" com as magias de proteção ao seu alcance, abrir o cofre para pegar os artefatos mais úteis, etc...

Mas ao invés disso, o vilão fica ali estático, esperando pacientemente pelos heróis, talvez preparando o discurso final e uma risada sádica antes de dizer "Vocês jamais me vencerão! BWAHAHAHAHA". 

O que separa um vilão medíocre, de um vilão memorável é a capacidade que ele tem de incomodar os heróis, literalmente infernizar as suas vidas. Um vilão memorável é inteligente e sagaz o suficiente para se preparar para o confronto final... ele saberá usar as vantagens ao seu alcance e explorar as fraquezas de seus oponentes. E nada é mais prático do que preparar o ambiente para a batalha final em seu "ninho de poder".

Em "O 13o Guerreiro", o ninho de poder é uma espécie de templo pagão devotado a uma deusa da terra. O lugar subterrâneo provoca uma aura de medo em qualquer um que o adentra. Cobras venenosas se espalham pelo chão, estátuas bizarras pontuam as paredes, tudo é escuro, soturno, sinistro... a líder dos saqueadores é uma mulher selvagem, a matriarca deles que, sinceramente, não parece grande coisa. Garanto que qualquer guerreiro nórdico parrudo como os do filme, se a encontrasse em qualquer outro ambiente, acabaria com ela em dois tempos. Mas aqui, em seu "Ninho de Poder", ela está cercada de uma aura mística ameaçadora que a torna mil vezes mais perigosa.

E como vemos na conclusão da batalha, as coisas não são nada fáceis para os heróis...         

7 - Funeral dos Heróis



Uma coisa que sempre me incomodou, não importa em que ambientação, não importa em que sistema é com tratamos nossos personagens caídos.

Tudo bem, é fato que ninguém gosta de perder seu personagem durante uma aventura. Não conheço nenhum jogador que comemore depois de seu ladino ser fulminado com uma bola de fogo, que seu vampiro seja empalado ou que seu investigador seja destroçado por um horror além do tempo e espaço.

Contudo, vocês já perceberam que o tratamento que dispensamos aos personagens caídos por vezes é meio indigno? A morte de um personagem é tratado apenas como "algo que acontece": lamenta-se, alguns ficam chateados, mas logo em seguida rola-se dados e cria-se um novo personagem para se juntar ao grupo.

Tudo bem, mas que tal dar um fim mais honroso para nossos personagens?

Pense bem: Quando foi a última vez que um personagem de sua campanha recebeu honrarias após a morte?

Eu já vi isso acontecer de monte. Personagens de jogadores que até alguns momentos eram centrais na trama, acabam simplesmente morrendo diante de um inimigo e são convenientemente esquecidos pelos seus companheiros (muitos deles de tendências benevolentes). Seus companheiros de armas meramente se ocupam em remover todas as armas, armaduras, objetos mágicos e abandonam o corpo à própria sorte, sem olhar para trás duas vezes. Em algumas circunstâncias nem sequer se incomodam de enterrá-lo ou queimá-lo... o corpo fica ali, ao "deus dará" e ninguém se comove em dizer algumas palavras em sua homenagem.

E isso infelizmente acontece em várias ambientações. Em parte isso acontece mais frequentemente quando os personagens morrem enfrentando inimigos líderes no final da aventura, quando a vitória sobre o "grande vilão" decreta o fim da missão. Há uma tendência a se fechar a aventura quando o HP do inimigo líder chega a zero, mesmo que ele não tenha sido o único a morrer.

O que quero dizer é que a morte de personagens deveria ter um significado. Os aliados do personagem (pelo menos eles!) deveriam sentir o baque da morte. Nem que ele seja um lembrete de que uma vida de aventuras pode ser algo perigoso e que não raramente cobra seu preço. Nas minhas mesas de RPG, à despeito da ambientação, acho necessário que a morte de um personagem tenha significado, do contrário o jogo perde o sentido.

Poucas coisas podem ser mais bacanas do que permitir ao personagem uma despedida à altura. Um funeral, com elegias ou ao menos algumas palavras de seus companheiros sempre é algo muito bacana. A morte fornece elementos dramáticos valiosos para uma crônica, não aproveitar sua ocorrência para promover um bom roleplay é perder uma oportunidade de ouro.

E é isso...

Críticas, comentários e sugestões são muito bem vindas. Dependendo da repercussão na postagem a série continua ou não, então quem achou válido, faça algum barulho!

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Buscando Inspiração para seu RPG - O 13o Guerreiro (parte 1)


Estamos de volta com "Buscando Inspiração para seu RPG".

Para quem não sabe do que trata essa série de artigos, eu sugiro dar uma olhada nesse LINK onde você vai achar uma explicação. 

Mas se você não quiser ler, estiver com preguiça ou não lembra e não quer ter o trabalho de clicar o botão (!!!), o objetivo é o seguinte: pegar um filme dissecar ele e encontrar coisas bacanas que possam ser utilizadas em suas sessões de RPG. O objetivo não é se concentrar especificamente em um sistema ou ambientação, mas pegar elementos centrais que permitam costurar sequências e cenas onde quer que seja.

O segundo filme escolhido para esse exercício é O 13o GUERREIRO (The 13th Warrior/ 1999).

Esse filme é um daqueles casos de "ame ou odeie". Tenho amigos que adoram ele de paixão, consideram uma adaptação fora de série de um livro igualmente brilhante de Michael Crichton. Mas outros simplesmente o detestam absurdamente, acham a adaptação tão meia boca que assistem uma vez e depois preferem esquecer. Minha opinião? Bom, eu estava no segundo caso, sempre achei meia boca, mas depois de assistir num final de semana chuvoso acabei encontrando algumas coisas bastante interessantes que mudaram a minha opinião. Não que seja um baita filme, mas ele é bem melhor do que eu lembrava. Se você não assistiu, vale a pena dar uma conferida nos Netflix da vida.

Para quem não sabe nada a respeito do filme, aqui vai uma pequena sinopse do IMDB para situá-lo:

Em 922 d.C, um embaixador árabe é enviado para uma longa viagem rumo ao Norte onde ele entra em contato com um grupo de guerreiros nórdicos. Ele experimenta uma série de dificuldades culturais, mas aos poucos reconhece a valentia e coragem daqueles homens, sobretudo quando acaba se juntando a eles em uma perigosa missão para salvar um vilarejo da ação de estranhos saqueadores.

Para mais detalhes aqui está a página do IMDB.

Vejamos o que podemos "roubar" de O 13o Guerreiro para nossas mesas de RPG:

1 - Ninguém fala a sua Língua



Vocês já perceberam que não importa o quão longe seus heróis adentrem numa terra desconhecida, não importa quantos dias eles marchem rumo a uma região distante ou em que planeta inóspito eles decidam aterrizar, SEMPRE há alguém lá que fala o idioma deles.

É meio estranho... mesmo em culturas bizarras sempre há uma maneira de se fazer entender. Um grupo de viajantes chega a uma região florestal dominada por elfos selvagens que nunca viram um ser humano em suas longas existências, mas logo descobrem entre os elfos alguém que pode servir de intérprete. Mesmo quando os heróis viajam para outro planeta cujos habitantes nunca tiveram contato com a raça humana, descobre-se alguma máquina ou mecanismo capaz de superar os problemas do idioma.

No filme "O 13o Guerreiro", temos um árabe que de um momento para outro acaba se juntando a um grupo de nórdicos que não conseguem compreender absolutamente nada do que ele diz. Até mesmo ensinar o próprio nome é complicado, uma vez que seus novos amigos preferem nomes curtos sem muitos títulos ou cerimônia.

Enquanto fica na companhia de seus novos colegas, o árabe se dedica a ouvir o que eles conversam noite após noite, a tentar compreender as palavras mais simples e a entender as construções verbais. Demora algum tempo, mas ele eventualmente consegue entender e se comunicar. O filme tem inclusive uma maneira muito elegante de mostrar o processo de aprendizado, mostrando que ele vai lentamente compreendendo algumas palavras no meio das frases.

Mas nem sempre é tão fácil... por vezes, os personagens de uma ambientação se vêem diante de seres e criaturas cuja forma de falar é totalmente incompatível. Isso me lembra uma piada:

Cthulhu está diante de uma vítima e dá a ela o direito de fazer uma pergunta antes de devorá-lo. O sujeito pondera um pouco e pergunta qual a maneira correta de pronunciar o nome daquela criatura colossal. Cthulhu olha o sujeito dos pés à cabeça e pergunta: "Você tem uma boca com no mínimo 12 metros de largura? Tem 23 línguas bífidas? Possui tentáculos faciais?" o sujeito responde que obviamente não possui nenhuma dessas coisas. Cthulhu balança a cabeça negativamente: "Então nem tente filho, você não é anatomicamente capaz de dizer meu nome da maneira correta".

Com isso eu quero dizer que é natural que os personagens não falem um determinado idioma ou que sequer sejam capazes de fazê-lo. E se esse for o caso, não cabe ao narrador criar uma maneira mirabolante de permitir que eles interajam com outros povos. Quando os primeiros exploradores se lançaram rumo ao desconhecido eles não sabiam o que iam encontrar ou que tipo de língua os povos locais falariam. Se eles tiveram de se virar, porque não os jogadores?

Pense da seguinte maneira: se os personagens não falam o idioma local, eles terão de achar outras maneiras de se explicar e isso pode ser muito divertido. Eles terão de pensar um pouco: fazer mímica, mostrar coisas similares, desenhar... tudo aquilo que os gringos que vêem ao Brasil são forçados a fazer quando tentam negociar uma corrida de táxi ou a compra de um ingresso com pessoas que não entendem nada que eles dizem.

Claro, isso não precisa acontecer à toda hora, mas experimente uma ou duas vezes.

 2 - Choque Cultural


Em um dos trechos mais famosos desse filme a gente tem um claro exemplo de choque cultural:

Ao acordar cedo pela manhã, um dos Guerreiros Nórdicos recebe uma bacia diante de si e começa a fazer suas abluções, o que inclui lavar as mãos, soar o nariz, gargarejar e cuspir, limpar as orelhas e tudo mais que possa ser desagradável. Nem uma gota da água é perdida, tudo volta para dentro da bacia que segue para o colega que está ao lado fazer o mesmo e depois o próximo, o próximo e assim por diante.

O personagem de Antonio Banderas e o de Omar Shariff se entreolham chocados. O que significa esse costume? Com que intuito esses bárbaros utilizam a água suja uns dos outros? Será que não entendem como isso é nojento?

Aí está uma das boas sacadas do filme que pode ser perfeitamente aproveitada em nossas mesas de jogo. Aquilo que para uns pode parecer errado, ofensivo ou incompreensível, para outras culturas pode ser absolutamente natural e corriqueiro. Os costumes e tradições vigentes numa cultura podem ser algo extremamente curioso para outra, algo que concede a uma cena uma sensação muito bem vinda de estranheza.

Eu lembro do filme Ben-Hur, numa sequência o personagem título faz uma farta ceia ao lado de seu anfitrião árabe. Após o repasto, o anfitrião pergunta incomodado: "Como é? Não gostou?" e o sujeito sem conhecer as tradições se limita a elogiar a comida. Cabe a outro convidado explicar que um sinal de que a comida estava deliciosa envolve soltar um sonoro arroto. E quando ele o faz, o anfitrião abre um sorriso e agradece.

Eu usei isso muito tempo atrás em uma sessão de Al Qadim e foi muito legal.

É interessante inserir cenas de choque cultural, sobretudo quando os personagens estão visitando alguma cultura exótica, algum povo isolado com seu próprio conjunto de tradições ou (principalmente) um povo não-humano. Quais devem ser os costumes de orcs à mesa? Como um grupo de caçadores africanos decide quem vai falar primeiro? De que maneira um visitante deve elogiar uma obra de arte criada por elfos? Tudo isso permite que se crie um desconforto interessante, abre espaço para gafes memoráveis e momentos de diversão para os jogadores, ao custo de saias justas para as personagens.

Star Trek - Next Generation brincava muito com essa noção do choque cultural nas missões diplomáticas em outros planetas. O Capitão Picard, por vezes tinha de usar roupas estranhas, regalias bizarras, recitar trechos de uma saudação em idioma alienígena perfeito ou até ficar completamente nu diante de um povo que não valorizava o uso de vestimentas. É possível que um grupo exija que se beba uma bebida fermentada de gosto ofensivo, outra peça que apenas as fêmeas falem, enquanto uma terceira cultura censura qualquer demonstração afetiva.

A etiqueta de um povo não se aprende em poucos minutos. No século XVI, navegadores portugueses fizeram contato com a cultura japonesa e quando retornavam avisavam seus colegas o que seria encontrado no extremo oriente, mas ninguém pode estar preparado 100% para as surpresas proporcionadas pelo choque cultural. Use e abuse dele, seus jogadores vão adorar.

3 - A Glória é a Recompensa


No filme, há um momento em que um emissário de um vilarejo distante vem pedir ajuda para enfrentar uma terrível ameaça que desceu sobre eles. Os heróis estão reunidos em uma espécie de salão comunitário bebendo e se divertindo, e quando o homem conta o que está acontecendo eles ouvem atentamente a narrativa. Logo depois, um sábio se ergue e informa que essa será uma importante batalha e que os valorosos guerreiros que participarem dela serão recompensados com honrarias pela sua bravura. Um a um os guerreiros vão se oferecendo, jurando que a sua participação na senda será crucial para o sucesso da mesma.

E aí? Parece familiar?

Claro que é! Essa é aquela cena clássica em qualquer sessão de RPG, na qual os heróis são chamados para a aventura e respondem sabendo que são os únicos que podem enfrentar a ameaça (mesmo porque, se não forem eles, não tem aventura).

O grande diferencial é que muitas vezes nas nossas mesas, os jogadores estão tão condicionados a receber algo em troca pela sua "ajuda" que a primeira coisa que eles respondem é "o que ganhamos em troca"?

Tudo bem, eu sei que muitas aventuras se baseiam justamente nisso. Os personagens são contratados para a missão que lhes é dada, é justo que queiram ganhar algo em troca, mas será que essa contrapartida tem sempre que ser mensurada em tesouros e moedas?

O ponto é: a GLÓRIA deveria ter um peso maior do que realmente tem na maioria das mesas. Por glória eu me refiro a provar a bravura individual, testar os limites do treinamento, mostrar do que é capaz, fazer a diferença, ganhar fama e renome, livrar o mundo do que é mal e ajudar os mais fracos (essas duas se os personagens tiverem uma boa natureza). Infelizmente o que se vê normalmente é apenas uma transação monetária:

Vá até o lugar - Mate os monstros - Limpe o lugar - Volte para coletar a recompensa. 

Mesmo entre grupos majoritariamente "bons" é o que acontece. A glória, o triunfo, a vitória ficam em segundo plano, bem atrás dos benefícios de uma recompensa poupuda e de tesouros coletados. 

A melhor maneira de mudar isso é dando significado às realizações dos aventureiros. No filme, os guerreiros aceitam de bom grado ajudar o emissário, não porque ele ofereceu algo em troca, mas porque a glória de ajudar nessa missão garantirá a cada um deles uma lembrança permanente. O nome dos heróis vivos ou mortos viverá para sempre e isso é mais valioso do que ouro e riqueza.

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Que tal fazer uma pequena pausa aqui para que o artigo não fique muito longo?

Já voltamos com a continuação onde falaremos sobre mais algumas ideias pinçadas desse filme.