segunda-feira, 16 de junho de 2014

Buscando Inspiração para seu RPG - O 13o Guerreiro (parte 1)


Estamos de volta com "Buscando Inspiração para seu RPG".

Para quem não sabe do que trata essa série de artigos, eu sugiro dar uma olhada nesse LINK onde você vai achar uma explicação. 

Mas se você não quiser ler, estiver com preguiça ou não lembra e não quer ter o trabalho de clicar o botão (!!!), o objetivo é o seguinte: pegar um filme dissecar ele e encontrar coisas bacanas que possam ser utilizadas em suas sessões de RPG. O objetivo não é se concentrar especificamente em um sistema ou ambientação, mas pegar elementos centrais que permitam costurar sequências e cenas onde quer que seja.

O segundo filme escolhido para esse exercício é O 13o GUERREIRO (The 13th Warrior/ 1999).

Esse filme é um daqueles casos de "ame ou odeie". Tenho amigos que adoram ele de paixão, consideram uma adaptação fora de série de um livro igualmente brilhante de Michael Crichton. Mas outros simplesmente o detestam absurdamente, acham a adaptação tão meia boca que assistem uma vez e depois preferem esquecer. Minha opinião? Bom, eu estava no segundo caso, sempre achei meia boca, mas depois de assistir num final de semana chuvoso acabei encontrando algumas coisas bastante interessantes que mudaram a minha opinião. Não que seja um baita filme, mas ele é bem melhor do que eu lembrava. Se você não assistiu, vale a pena dar uma conferida nos Netflix da vida.

Para quem não sabe nada a respeito do filme, aqui vai uma pequena sinopse do IMDB para situá-lo:

Em 922 d.C, um embaixador árabe é enviado para uma longa viagem rumo ao Norte onde ele entra em contato com um grupo de guerreiros nórdicos. Ele experimenta uma série de dificuldades culturais, mas aos poucos reconhece a valentia e coragem daqueles homens, sobretudo quando acaba se juntando a eles em uma perigosa missão para salvar um vilarejo da ação de estranhos saqueadores.

Para mais detalhes aqui está a página do IMDB.

Vejamos o que podemos "roubar" de O 13o Guerreiro para nossas mesas de RPG:

1 - Ninguém fala a sua Língua



Vocês já perceberam que não importa o quão longe seus heróis adentrem numa terra desconhecida, não importa quantos dias eles marchem rumo a uma região distante ou em que planeta inóspito eles decidam aterrizar, SEMPRE há alguém lá que fala o idioma deles.

É meio estranho... mesmo em culturas bizarras sempre há uma maneira de se fazer entender. Um grupo de viajantes chega a uma região florestal dominada por elfos selvagens que nunca viram um ser humano em suas longas existências, mas logo descobrem entre os elfos alguém que pode servir de intérprete. Mesmo quando os heróis viajam para outro planeta cujos habitantes nunca tiveram contato com a raça humana, descobre-se alguma máquina ou mecanismo capaz de superar os problemas do idioma.

No filme "O 13o Guerreiro", temos um árabe que de um momento para outro acaba se juntando a um grupo de nórdicos que não conseguem compreender absolutamente nada do que ele diz. Até mesmo ensinar o próprio nome é complicado, uma vez que seus novos amigos preferem nomes curtos sem muitos títulos ou cerimônia.

Enquanto fica na companhia de seus novos colegas, o árabe se dedica a ouvir o que eles conversam noite após noite, a tentar compreender as palavras mais simples e a entender as construções verbais. Demora algum tempo, mas ele eventualmente consegue entender e se comunicar. O filme tem inclusive uma maneira muito elegante de mostrar o processo de aprendizado, mostrando que ele vai lentamente compreendendo algumas palavras no meio das frases.

Mas nem sempre é tão fácil... por vezes, os personagens de uma ambientação se vêem diante de seres e criaturas cuja forma de falar é totalmente incompatível. Isso me lembra uma piada:

Cthulhu está diante de uma vítima e dá a ela o direito de fazer uma pergunta antes de devorá-lo. O sujeito pondera um pouco e pergunta qual a maneira correta de pronunciar o nome daquela criatura colossal. Cthulhu olha o sujeito dos pés à cabeça e pergunta: "Você tem uma boca com no mínimo 12 metros de largura? Tem 23 línguas bífidas? Possui tentáculos faciais?" o sujeito responde que obviamente não possui nenhuma dessas coisas. Cthulhu balança a cabeça negativamente: "Então nem tente filho, você não é anatomicamente capaz de dizer meu nome da maneira correta".

Com isso eu quero dizer que é natural que os personagens não falem um determinado idioma ou que sequer sejam capazes de fazê-lo. E se esse for o caso, não cabe ao narrador criar uma maneira mirabolante de permitir que eles interajam com outros povos. Quando os primeiros exploradores se lançaram rumo ao desconhecido eles não sabiam o que iam encontrar ou que tipo de língua os povos locais falariam. Se eles tiveram de se virar, porque não os jogadores?

Pense da seguinte maneira: se os personagens não falam o idioma local, eles terão de achar outras maneiras de se explicar e isso pode ser muito divertido. Eles terão de pensar um pouco: fazer mímica, mostrar coisas similares, desenhar... tudo aquilo que os gringos que vêem ao Brasil são forçados a fazer quando tentam negociar uma corrida de táxi ou a compra de um ingresso com pessoas que não entendem nada que eles dizem.

Claro, isso não precisa acontecer à toda hora, mas experimente uma ou duas vezes.

 2 - Choque Cultural


Em um dos trechos mais famosos desse filme a gente tem um claro exemplo de choque cultural:

Ao acordar cedo pela manhã, um dos Guerreiros Nórdicos recebe uma bacia diante de si e começa a fazer suas abluções, o que inclui lavar as mãos, soar o nariz, gargarejar e cuspir, limpar as orelhas e tudo mais que possa ser desagradável. Nem uma gota da água é perdida, tudo volta para dentro da bacia que segue para o colega que está ao lado fazer o mesmo e depois o próximo, o próximo e assim por diante.

O personagem de Antonio Banderas e o de Omar Shariff se entreolham chocados. O que significa esse costume? Com que intuito esses bárbaros utilizam a água suja uns dos outros? Será que não entendem como isso é nojento?

Aí está uma das boas sacadas do filme que pode ser perfeitamente aproveitada em nossas mesas de jogo. Aquilo que para uns pode parecer errado, ofensivo ou incompreensível, para outras culturas pode ser absolutamente natural e corriqueiro. Os costumes e tradições vigentes numa cultura podem ser algo extremamente curioso para outra, algo que concede a uma cena uma sensação muito bem vinda de estranheza.

Eu lembro do filme Ben-Hur, numa sequência o personagem título faz uma farta ceia ao lado de seu anfitrião árabe. Após o repasto, o anfitrião pergunta incomodado: "Como é? Não gostou?" e o sujeito sem conhecer as tradições se limita a elogiar a comida. Cabe a outro convidado explicar que um sinal de que a comida estava deliciosa envolve soltar um sonoro arroto. E quando ele o faz, o anfitrião abre um sorriso e agradece.

Eu usei isso muito tempo atrás em uma sessão de Al Qadim e foi muito legal.

É interessante inserir cenas de choque cultural, sobretudo quando os personagens estão visitando alguma cultura exótica, algum povo isolado com seu próprio conjunto de tradições ou (principalmente) um povo não-humano. Quais devem ser os costumes de orcs à mesa? Como um grupo de caçadores africanos decide quem vai falar primeiro? De que maneira um visitante deve elogiar uma obra de arte criada por elfos? Tudo isso permite que se crie um desconforto interessante, abre espaço para gafes memoráveis e momentos de diversão para os jogadores, ao custo de saias justas para as personagens.

Star Trek - Next Generation brincava muito com essa noção do choque cultural nas missões diplomáticas em outros planetas. O Capitão Picard, por vezes tinha de usar roupas estranhas, regalias bizarras, recitar trechos de uma saudação em idioma alienígena perfeito ou até ficar completamente nu diante de um povo que não valorizava o uso de vestimentas. É possível que um grupo exija que se beba uma bebida fermentada de gosto ofensivo, outra peça que apenas as fêmeas falem, enquanto uma terceira cultura censura qualquer demonstração afetiva.

A etiqueta de um povo não se aprende em poucos minutos. No século XVI, navegadores portugueses fizeram contato com a cultura japonesa e quando retornavam avisavam seus colegas o que seria encontrado no extremo oriente, mas ninguém pode estar preparado 100% para as surpresas proporcionadas pelo choque cultural. Use e abuse dele, seus jogadores vão adorar.

3 - A Glória é a Recompensa


No filme, há um momento em que um emissário de um vilarejo distante vem pedir ajuda para enfrentar uma terrível ameaça que desceu sobre eles. Os heróis estão reunidos em uma espécie de salão comunitário bebendo e se divertindo, e quando o homem conta o que está acontecendo eles ouvem atentamente a narrativa. Logo depois, um sábio se ergue e informa que essa será uma importante batalha e que os valorosos guerreiros que participarem dela serão recompensados com honrarias pela sua bravura. Um a um os guerreiros vão se oferecendo, jurando que a sua participação na senda será crucial para o sucesso da mesma.

E aí? Parece familiar?

Claro que é! Essa é aquela cena clássica em qualquer sessão de RPG, na qual os heróis são chamados para a aventura e respondem sabendo que são os únicos que podem enfrentar a ameaça (mesmo porque, se não forem eles, não tem aventura).

O grande diferencial é que muitas vezes nas nossas mesas, os jogadores estão tão condicionados a receber algo em troca pela sua "ajuda" que a primeira coisa que eles respondem é "o que ganhamos em troca"?

Tudo bem, eu sei que muitas aventuras se baseiam justamente nisso. Os personagens são contratados para a missão que lhes é dada, é justo que queiram ganhar algo em troca, mas será que essa contrapartida tem sempre que ser mensurada em tesouros e moedas?

O ponto é: a GLÓRIA deveria ter um peso maior do que realmente tem na maioria das mesas. Por glória eu me refiro a provar a bravura individual, testar os limites do treinamento, mostrar do que é capaz, fazer a diferença, ganhar fama e renome, livrar o mundo do que é mal e ajudar os mais fracos (essas duas se os personagens tiverem uma boa natureza). Infelizmente o que se vê normalmente é apenas uma transação monetária:

Vá até o lugar - Mate os monstros - Limpe o lugar - Volte para coletar a recompensa. 

Mesmo entre grupos majoritariamente "bons" é o que acontece. A glória, o triunfo, a vitória ficam em segundo plano, bem atrás dos benefícios de uma recompensa poupuda e de tesouros coletados. 

A melhor maneira de mudar isso é dando significado às realizações dos aventureiros. No filme, os guerreiros aceitam de bom grado ajudar o emissário, não porque ele ofereceu algo em troca, mas porque a glória de ajudar nessa missão garantirá a cada um deles uma lembrança permanente. O nome dos heróis vivos ou mortos viverá para sempre e isso é mais valioso do que ouro e riqueza.

*     *     *

Que tal fazer uma pequena pausa aqui para que o artigo não fique muito longo?

Já voltamos com a continuação onde falaremos sobre mais algumas ideias pinçadas desse filme.

Um comentário:

  1. Ótimas dicas. Gostei muito, injeção de inspiração para mestres, certamente surpreenderá os jogadores se seguir essas dicas.

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