quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Nos Velhos Tempos: O Fonógrafo - A incrível máquina de falar


Um dos pontos mais interessantes de jogos centrados no passado, é tentar reproduzir a época da estória da forma mais fiel possível.

Um dos grandes problemas que muitos narradores enfrentam é descrever o dia a dia dos personagens e inserir os jogadores acostumados com o estilo de vida moderno em um ambiente bem diferente. Um dos questionamentos centrais nas mesas de Chamado de Cthulhu, Rastro e de qualquer boa ambientação pulp (se passando entre os anos 1920-1940) é determinar o que existia, o que estava disponível e o que simplesmente ainda não havia sido inventado.

É curioso, mas essa é uma preocupação muito comum entre os narradores e que às vezes confunde os jogadores. 

Será que já existia máquina fotográfica manual em 1925 e como era tirar uma foto? Meu personagem pode ter uma filmadora para registrar um determinado evento ou esses aparelhos ainda não tinham sido inventados? Será que eu posso entrar no carro e dar a partida ou é preciso rodar aquela manivela para ele funcionar? Meu personagem precisa viajar para outro continente em 1930, já existe uma linha aérea que faz esse percurso ou ele precisa ir de navio? Como eu faço para gravar uma conversa em 1920?

São perguntas válidas para qualquer um que se propõe a narrar uma estória com o mínimo de fidelidade e comprometimento com a realidade. Na pior das hipóteses essas informações ajudam a realçar ou quem sabe até, enriquecer o panorama do cenário.

A ideia dessa série de artigos, chamados de "Nos velhos tempos" é pegar uma aspecto da vida no início do século e analisar como as questões eram resolvidas e o que estava ao alcance das pessoas para tornar suas vidas mais fáceis.

Nesse primeiro artigo, vamos falar de uma invenção revolucionária, patenteada pelo genial Thomas Edison e que progrediu muito na primeira metade do século passado. Uma invenção que levou o som e a música para dentro das casas; estamos falando do FONÓGRAFO.


Hoje em dia, quando queremos ouvir uma música, ligamos o rádio, a televisão, colocamos um CD para tocar ou clicamos num arquivo mp3 em nossos computadores. Assim podemos ouvir nossas músicas favoritas no conforto de nossas casas quando quisermos. Entretanto, CDs só surgiram há pouco mais de 30 anos e seus predecessores, os discos de vinil a pouco mais de 80 anos.

Apenas em meados dos anos 1920, discos de shellac e mais tarde vinil, começaram a substituir os arcaicos e frágeis cilindros de cera que dominaram a indústria fonográfica no período que antecedeu a Grande Depressão.

Embora a tecnologia de áudio-gravação já estivesse disponível, criada em 1860, não foi até o final de 1870 que Thomas Alva Edison inventou o fonógrafo (ou ‘gramofone’ como a invenção foi chamada na Grã-Bretanha), a primeira máquina capaz de ao mesmo tempo gravar, e então reproduzir som verdadeiro, e numa qualidade suficientemente boa para ser ouvida e compreendida. Mas como eram os primeiros aparelhos desse tipo? 

Edison anunciou a criação de sua inovadora "máquina de falar" nos últimos meses do ano de 1877. A máquina de Edison era surpreendentemente simples, mas conseguia algo considerado impossível no século XIX: Gravar sons! O aparelho incluía um amplificador, uma agulha de vibração ou stylus e um cilindro embalado com papel alumínio. A medida que Edison falava (ou melhor dizendo, gritava!) no amplificador, as ondas sonoras de sua voz, faziam vibrar a agulha que arranhava o papel alumínio preso no cilindro giratório. Quando ele falava alto ou baixo, mais funda ou rasa era a ranhura deixada no cilindro. Colocando a agulha no ponto de início do gravador, e girando novamente a manivela, o som da voz, suficientemente discernível, podia ser ouvido. As primeiras palavras gravadas dessa forma, foram Edison recitando um poema infantil: “Mary tinha um carneirinho, e sua lã era branca como a neve. E para onde quer que Mary fosse, o carneirinho a seguia!

Edison e sua invenção revolucionária
As primeiras gravações de Edison, embora surpreendentes, não tinham boa qualidade. Levou um considerável tempo para desenvolver uma maneira de tornar a captação e reprodução mais clara. Ele descobriu que se falasse alto suficiente, era possível fazer a agulha vibrar e que essa vibração era responsável por produzir as ranhuras que poderiam ser em seguida ouvidas. Mas ele precisava de um material mais confiável do que papel alumínio, algo que resultasse em melhor qualidade de áudio e que não fosse tão sensível a danos produzidos pela própria agulha. Edison fez experiências com outros materiais, e eventualmente desenvolveu uma combinação que foi saudada como revolucionária e que deu início a Era da Gravação.

Edison sabia que poderia ganhar uma fortuna comercializando sons gravados para as pessoas interessadas em sua invenção, mas antes de seguir adiante ele precisava encontrar um método confiável. Depois de ter enrolado dezenas de materiais no cilindro giratório, ele teve uma ideia genial: que tal usar o próprio cilindro para gravar os sons?

Edison desenvolveu cilindros feitos de cera moldável, produzidos em um molde. Assim ele podia produzir centenas, milhares de cilindros de gravação e vendê-los para quem quisesse reproduzi-los em seu aparelho. A maciez da cera permitia que a agulha produzisse ranhuras e sulcos perfeitos na superfície do cilindro, captando os sons de maneira mais distinta.

A melhor coisa a respeito dos cilindros de cera  é que eles eram fáceis de produzir e de usar. As pessoas podiam comprar cilindros com sons (em geral músicas) já gravados ou então cilindros em branco que podiam ser usados para gravar o que bem entendessem. Bem antes dos discos, das fitas k7, dos CDS ou mesmo dos arquivos de som, as pessoas já podiam ter suas coleções de música e som, na forma de cilindros de cera.

O grande problema dos cilindros é que eles precisavam ser reproduzidos manualmente. Era necessário girar uma manivela em um ritmo constante para que a reprodução fosse perfeita, do contrário havia distorção. Além disso, sendo feitos de cera, os cilindros eram muito frágeis e podiam quebrar facilmente. Mesmo o uso repetido do cilindro podia resultar em uma perda da qualidade de som. 

Os cilindros de cera de Edison hoje são peças de coleção
O salto de qualidade seguinte veio através dos discos de gravação, uma tecnologia que só foi substituída em meados dos anos 1980. A ideia para os discos veio do famoso compositor Emile Berliner. Ele percebeu que se a reprodução fosse feita em uma superfície horizontal, ao invés de vertical, a qualidade do som melhorava consideravelmente, já que a agulha não pulava tanto. 

Quando o Disco de Berliner foi produzido, os cilindros de Edison já haviam se espalhado por todo mundo e eram considerados confiáveis há décadas. Foi necessária uma cuidadosa campanha de marketing para que as pessoas adotassem o novo modelo. Berliner tentou recrutar cantores e músicos para mostrar que a qualidade de seus discos era superior a dos cilindros. Uma das grandes vantagens dos discos de Berliner é que eles eram menores e mais fáceis de guardar do que os cilindros de cera de Edison. Além disso eram mais fáceis de serem transportados e mais resistentes. Originalmente os discos eram prensados em folhas de shellac, um tipo de celuloide, que foi substituído por vinil no início dos anos 1940.

Quando ouvimos o som de um disco antigo em um filme ou no rádio, a primeira coisa que percebemos é a qualidade da gravação. Alguns discos eram surpreendentemente claros e agradáveis de ouvir, outros pareciam ter um som residual por baixo da gravação. Isso se dava, principalmente porque havia dois processos de gravação: o método acústico e o elétrico.

O método acústico veio primeiro e data do surgimento dos discos gravados. Nesse tipo de gravação os cantores e músicos se reuniam em torno de um enorme amplificador que captava suas performances. Os artistas deviam tocar (ou cantar) muito alto para que a agulha registrasse perfeitamente as ondas sonoras por eles produzidas.

Embora essa gravação resultasse em um som de qualidade aceitável, a reprodução da gravação quando transferida para outros discos era medíocre. Os próprios artistas reclamavam da qualidade do som, afirmavam que diferentes instrumentos se misturavam ou ficavam ocultos na gravação. A voz de alguns artistas também não saia como esperado o que irritava alguns cantores que chegavam a se recusar a gravar discos.

Em 1925, o microfone elétrico foi inventado, e ao redor do mundo, músicos e cantores puderam relaxar, fazendo gravações em que não era necessário gritar ou danificar seus instrumentos para atingir altas notas. Pela primeira vez, havia algo que amplificava o som para eles. Com esse implemento, as gravações ficaram mais claras, o som mais puro. Ao mesmo tempo, os fonógrafos foram ligados à eletricidade o que dispensava girar uma manivela constantemente para reproduzir a gravação. 

Procure uma gravação de uma faixa entre 1900-1925 e perceba que se trata de um som mais abafado e granulado. Procure então alguma coisa gravada depois de 1925 - a diferença da qualidade do som é surpreendente. O som se torna muito mais claro e agradável. Era o início da era do som elétrico.

Os discos de vinil foram o início da mudança.
Das primeiras gravações destoantes da década de 1880, passando para o som tolerável do início do século XX e finalmente evoluindo para o som mais claro dos discos nos anos 1930, em menos de sessenta anos, a humanidade assistiu um acelerado avanço da tecnologia de captura e reprodução sonora. Pela primeira vez, não era necessário contratar músicos ou viajar para ouvir o concerto de um artista famoso, bastava entrar em uma loja, adquirir um disco e ter em casa uma máquina capaz de reproduzir o som.

Com tudo isso, qual foi o impacto dos fonógrafos no início do século XX?

Em uma palavra: GIGANTESCO.

Em meados de 1920, fonógrafos podiam ser encontrados em qualquer grande cidade do planeta, vendidos em lojas, enquanto discos eram encomendados pelo correio e entregues na porta de casa. Os aparelhos se espalharam tão rapidamente, porque o custo de produção não era muito alto. Em termos atuais corrigidos, um aparelho de som, nos anos 20, custava o equivalente a 150 dólares atuais, enquanto cilindros ou os primeiros discos saiam por meros 3 dólares. Em 1930, o custo dos aparelhos caiu para 75 dólares, enquanto os discos custariam o equivalente a 5 dólares hoje em dia.

Uma vez que havia uma grande demanda, os fonógrafos conquistaram uma enorme fatia do mercado e foram produzidos em escala industrial. Não é raro em absoluto portanto que aparelhos desse tipo possam ser encontrados em cenários se passando na época.

Curiosamente, o mercado dos aparelhos reprodutores experimentou sua primeira crise na década de 1940, após o surgimento de um competidor direto que ameaçou sua hegemonia e que tomou o mundo de assalto - o rádio.

Mas essa é outra estória.

Obrigado por ouvir...

Ah sim, quando eu penso no cilindro de cera eu sempre lembro desse teaser do filme "Whisperr in Darkness". Ele dá uma ótima ideia de como era o som das gravações:

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