domingo, 29 de novembro de 2015

Slenderman e o Espírito do Suicídio - As mortes na Reserva Pine Ridge


Se existe uma constante em toda sociedade humana, em todo tempo e lugar, é que nunca é fácil passar pela adolescência.

Para os jovens vivendo em reservas indígenas destinadas a nativo-americanos, acima de todos os problemas trazidos por essa idade confusa, eles tem que lidar com outras questões extremamente delicadas. Pobreza, desemprego, escolas deficientes, violência doméstica, alcolismo, abuso de substâncias, estão presentes, mas acima de tudo, ser parte de uma cultura que foi quase erradicada por usurpadores de suas terras, constitui um dos aspectos mais dolorosos para esses jovens.

Talvez seja por isso, que a quantidade de suicídios entre adolescentes nativo americanos se converteu em um problema alarmante nas últimas décadas. Por "alarmante", significa dizer que o número de suicídios entre jovens nessa faixa etária, é mais do que três vezes superior do que a média em qualquer outro grupo étnico.

O problema foi detectado e tem sido monitorado por autoridades desde os anos 1930 e estudado por psicólogos e analistas comportamentais. Os fatos são claros: um grande número de adolescentes nativo americanos com idade entre 12 e 17 comete suicídio anualmente.

A frequência inevitavelmente acaba levando a familiaridade - mesmo quando se trata de um dado macabro como a morte auto-infligida de crianças, contudo os últimos acontecimentos registrados na Reserva Indígena de Pine Ridge são por demais preocupantes. Nessa reserva localizada no estado de Dakota do Sul, ao menos nove mortes ocorreram entre jovens com idade variando de 12 a 20 anos, no período de um ano. Um número extremamente elevado em uma população de cerca de 15 mil indivíduos habitando a reserva.


Uma dessas trágicas mortes, foi da jovem Lakota, Santana Janis de 12 anos. Seu corpo foi encontrado enforcado num pequeno banheiro no estacionamento de trailers onde ela vivia com seus pais e outros seis irmãos. O cadáver de Antonio Villa, 15 anos, foi achado em um automóvel abandonado três meses depois de seu desasparecimento, o rapaz havia consumido uma quantidade considerável de veneno para matar rato. Elisa Dubert, de 16 anos, matou a si mesma, se lançando em um riacho dentro da reserva com três blocos de concreto amarrados às pernas. Ela morreu afogada e seu corpo foi resgatado semanas depois.

Morte por asfixia é, no entanto, a forma mais comum de suicídio nas reservas, correpondendo a cerca de metade dos casos.

Em meados de Maio, quando as notícias a respeito dessa epidemia de suicídios começaram a preocupar os habitantes de Pine Ridge, algo estranho chamou a atenção das autoridades. Tentando descobrir se haveria algum elemento de cyber bullying ligado às mortes, os investigadores e membros das famílias encontraram um indício perturbador que poderia ter contribuído para a decisão fatal desses adolescentes em por um fim às suas vidas: um indício que apontava para o Slenderman.           

Os leitores que frequentam o Mundo Tentacular e outros blogs de horror, provavelmente conhecem bem as estórias sobre essa figura obscura. Ele apareceu pela primeira vez em um blog chamado Something Awful, numa página de discussão destinada a criar um monstro apavorante que poderia se converter em uma espécie de lenda urbana.

Não resta dúvidas que desde seu surgimento humilde, o Slenderman deu largos passos para se tornar uma figura cada vez mais conhecida (e temida) no território sem fronteiras da mídia eletrônica. O Slenderman conquistou mais do que a popularidade em um pequeno seguimento, ele se converteu em um fenômeno significativo. Com sua aparência sinistra: a face vazia destituída de feições, os membros assustadoramente longos e as aparições misteriosas, o Slenderman se tornou a personificação do medo primitivo para muitas pessoas. Uma pesquisa realizada recentemente por uma importante organização que trata de psiquiatria juvenil, apurou que o Slenderman é mais citado como personagem de pesadelos entre adolescentes do que vampiros, lobisomens e zumbis. Em outra pesquisa realizada, o Slenderman foi citado por 62% dos entrevistados como a figura mais aterrorizante e que eles menos gostariam de encontrar se fosse real.


Entre usuários da internet e frequentadores de blogs que congregam relatos de horror, as chamadas creepypastas, o nome do Slenderman é recorrente. Um em cada três adolescentes norte-americanos disseram que conhecem a estória da "entidade", sendo que, um a cada cinco jovens, responderam que "sim"; acreditam que a lenda pode ter um fundo de verdade. De forma progressiva, o Slenderman vem se instalando no inconsciente coletivo dos jovens norte-americanos preenchendo a lacuna como o bicho-papão de toda uma nova geração.     

O escritor de blogs Ian Vincent, coleciona artigos de jornal e reportagens a respeito do Slenderman publicadas em todo país. Segundo ele, a entidade é apontada frequentemente como responsável por mortes ou desaparecimentos misteriosos nos Estados Unidos. Em cerca de 90% dos casos, adolescentes estão envolvidos, seja como vítimas ou criminosos. 

Tomemos como exemplo da influência do Slenderman, um crime macabro ocorrido no final de 2014 no sul do estado de Wisconsin. Duas adolescentes convidaram uma colega de escola para acampar em uma floresta num final de semana. Enquanto dormia, as duas jovens entraram na barraca e apunhalaram a "amiga" nada menos do que dezenove vezes (!!!) e a abandonaram na floresta acreditando que ela estava morta. O medonho crime, que as adolescentes posteriormente confessaram, tinha como objetivo ser um sacrifício para o Slenderman. As duas jovens contaram em depoimento oficial que eram perseguidas pelo Slenderman e que a única maneira de se livrar da sua ameaça era entregar a ele uma outra vítima. As duas jovens, de 15 e 16 anos estavam obsecadas com a lenda da sinistra entidade e possuíam uma página na internet em que diziam ter encontrado a criatura repetidas vezes. Alguns críticos supõem que esse seja um estratagema criado pela defesa para livrar as meninas da responsabilidade penal, contudo, a página criada por elas está no ar desde 2011.

A vítima, quase que por milagre sobreviveu ao ataque e será ouvida ano que vem no aguardado julgamento que a mídia apelidou de "Crime das Meninas do Slenderman".

Em fevereiro desse ano, um jovem de 14 anos no interior do estado de Illinois abriu fogo com uma pistola contra colegas no pátio em seu colégio. Os disparos feriram dois colegas, mas por sorte ninguém morreu. Ao ser interrogado, o rapaz disse que o Slenderman o obrigou a praticar o atentado. 


Mas voltando à epidemia de suicídios em Pine Ridge, a conexão com o Slenderman foi estabelecida pelas autoridades encarregadas da investigação. Eles encontraram no navegador de quatro dos jovens nativo americanos que haviam se suicidado, indícios de que eles frequentavam páginas dedicadas a essa entidade apavorante. 

O pastor Chris Carey, ministro de uma Igreja localizada na reserva conhecia os jovens. Ele estava em contato com eles e sabia de suas aflições. Santana Janis, a menina de 12 anos que se enforcou em um lavatório, contou ao pastor Carey que tinha muito medo de uma figura que ela chamava de "Espírito do Homem Alto". Carey foi enfático nas entrevistas que concedeu a jornalistas: "Santana realmente acreditava que essa entidade existia. Ela acreditava de tal forma na sua existência que não conseguia dormir ou ficar sozinha. Poucas semanas antes de morrer, ela disse que tinha medo do homem alto que viria pegá-la".  

Os pais de Antonio Villa também permitiram que os investigadores tivessem acesso aos cadernos e livros pertencentes ao rapaz. Encontraram um caderno de desenhos em que o rapaz havia rabiscado esboços de uma figura sinsitra sem face e com membros absurdamente longos. Abaixo de um desses desenhos, o rapaz havia escrito uma legenda onde se lia as palavras tristemente proféticas: "O homem medonho vem te pegar!".

Uma amiga de Elisa Dumber contou que ela tinha muito medo de estórias de horror, mas que isso não a impedia de frequentar páginas dedicadas ao tema contendo creepypastas. Meses antes de cometer suicídio, Elisa teria dito - talvez brincando, talvez não, que o Slenderman existia e que muitas pessoas na internet acreditavam, que ele podia perseguir aqueles que realmente acreditavam na sua existência. No computador usado por Elisa Dumber havia vários indícios de que ela frequentava páginas sobre o Slenderman, corroborando o que sua amiga contou aos investigadores.

Em agosto de 2015, outro jovem nativo americano, morador da reserva, tentou o suicídio por asfixia. Felizmente, ele foi salvo por um primo que o encontrou agonizando. O primo foi rápido em chamar paramédicos que tiveram sucesso em reavivá-lo. Mês passado, o rapaz já recuperado, contou que muitos dos jovens que tentam suicídio na reserva cediam ao desespero por serem pressionados a se matarem. Em seu depoimento ele não citou o nome do Slenderman, mas disse que a crença em um suposto "Espírito do Suicídio" se tornou frequente entre os jovens na reserva. 


Em outubro, um artigo publicado no New York Times mergulhou nessa estória e citou o "Espírito do Suicídio". A reportagem buscava compreender esse fenômeno cultural e estabelecer sua origem, contudo as informações colhidas entre os nativos americanos eram no mínimo, escassas. O pouco que se obteve a respeito, menciona que a lenda é mais antiga do que se poderia supor. O Espírito do Suicídio seria uma força de auto-destruição capaz de possuir indivíduos que atravessavam períodos de crise espiritual. Alcolismo e abuso de drogas eram consideradas como vícios convidativos para a aproximação do Espírito do Suicídio, uma vez que els enfraqueciam as defesas psicológicas e espirituais de suas vítimas. 

Segundo as crenças dos nativos das tribos Lakota e Iroquoi, aqueles que atraem o Espírito do Suicídio são tentados a terminar com sua própria existência para serem poupados de uma vida de dor e sofrimento. O espírito surge como uma força sedutora que tenta a todo custo convencer suas vítimas de que não há escapatória para os sofrimentos terrenos, a não ser se entregar de vez ao esquecimento. Ainda segundo os nativos, as promessas do Espírito são vãs, uma vez que aqueles que cedem a ele acabam se tornando fantasmas fadados a vagar sem descanso pela eternidade.      

Para alguns, o que parece estar acontecendo na Reserva Pine Ridge e em outras comunidades indígenas é uma redescoberta de velhas lendas (no caso do Espírito do Suicídio) se sobrepondo a Lendas Urbanas contemporâneas mais especificamente o Slenderman que chega aos jovens através da internet. Nesse contexto, o Espírito do Suicídio e o SlenderMan seriam a mesma entidade temida pelos jovens nativo americanos, uma tradição antiga, redescoberta e reinterpretada em uma nova interpretação.


Segundo o antropólogo Chris Lopes, o Espírito do Suicídio é uma manifestação dos temores e aflições dos nativos, mas como lenda, ele gradualmente experimentou um desapareciemento a partir da metade do século XX. Até então, a crença nesse espírito era bem difundida. Lopes cita como exemplo a repercussão do massacre dos Cherokee na famosa batalha de Wounded Knee onde centenas de nativos foram massacrados pelo Exército Americano. Após esse trágico banho de sangue, milhares de nativos em desespero cometeram suicídio em uma epidemia que se espalhou pelas reservas a medida que a notícia se espalhou. Em 1932, um distúrbio ocorrido entre nativos e posseiros no interior da Nova Inglaterra terminou na morte de 15 membros da tribo Onondaga. O acontecimento repercutiu de tal forma nas reservas que mais de 80 suicídios foram reportados em reservas próximas.

Seria possível que o Espírito do Suicídio estivesse ressurgindo em pleno século XXI entre os nativos norte americanos, tendo como inspiração a lenda urbana do Slenderman? 

Se isso for verdade, como seria possível proteger os adolescentes da exposição a esse tipo de informação? Em um recente comunicado sobre as ocorrências na Reserva Pine Ridge, o Departamento Americano de Educação destinou uma verba de 300 mil dólares para instalar um Programa de Emergência contra a Violência e de Valorização da Vida. O programa visa incentivar a informação sobre os mitos dos Lakota e estabelecer um canal de comunicação para os jovens discutirem seus problemas. O programa conta com professores nativos, especializados nas crenças das tribos Lakota e nas tradições. 

Desde sua implantação no início de outubro, não houve mais nenhum registro de suicídio na Reserva Pine Ridge, mas os professores estão atentos para qualquer eventualidade. Segundo eles, uma das principais aflições dos adolescentes diz respeito ao temor de que suas vidas são vazias e que eles não terão oporunidades como adultos, preocupações típicas de jovens em qualquer lugar do mundo. Contudo, a outra grande preocupação manifestada diz respeito ao temor de entidades capazes de coagi-los a cometer o suicídio, uma prova de que as crenças de seus antepassados ainda estão presentes entre muitos jovens nativos.  

3 comentários:

  1. Que triste; mas hoje temos problemas reais e difíceis e encontrar a solução não é fácil; porém acredito que a família pode conduzir através do exemplo, a uma crença em Deus que em sua misericórdia e poder tem a capacidade de nos livrar destes espíritos demoníacos que buscam nossa morte e destruição.

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  2. bem interessante até por ser uma matéria em que os ameríndios são protagonistas e não seus cemitérios ou terras sagradas. E mostra também a condição atual deles.

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  3. Texto interessante e inspirador... Até que ponto é possível integrar os "povos indígenas" à civilização moderna sem traumas ou ruídos na comunicação?

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