quarta-feira, 29 de março de 2017

O Desespero é Verde - O Despertar de Cthulhu - Antologia em quadrinhos


Um adolescente que visita a mãe de um falecido amigo.
Uma conversa entre o Pai da Bomba Atômica e a Grande Besta.
Uma pequena cidade entregue à loucura messiânica.
Uma cidadezinha com segredos profundos.
Uma expedição amazônica entrando em contato com uma tribo singular.
Um homem a beira do ataque de nervos, preocupado com a família.
Um restaurante servindo sushi (extra) fresco.
Uma praga consumindo um vilarejo isolado.

Essas são as premissas das oito histórias narradas em "O Despertar de Cthulhu", uma antologia em quadrinhos que trás contos curtos assinados por artistas que se dedicam a criar narrativas sobre os Mythos de Cthulhu, sobre o Horror Cósmico e sobre coisas que não deveriam existir. 


Lançada ano passado pela Editora Draco em uma edição extremamente caprichada, a coleção reúne um excelente time de roteiristas e ilustradores nacionais - identificados na página final sob o título "Eles abraçaram o desespero". A missão deles é contar em no máximo vinte páginas, histórias terríveis e chocantes que causam perplexidade, incômodo e em alguns momentos repulsa no leitor. E vou te dizer, a maioria deles consegue acertar em cheio dentro dessa proposta! 

Não estou exagerando... Algumas histórias são positivamente bizarras, absurdamente estranhas e profundamente incômodas de ler. O tipo de coisa que você termina a leitura, fecha o livro para recuperar o fôlego e só então segue adiante. Sério, elas ficam com a gente por algum tempo, seja pelas linhas do roteiro, seja pela arte alucinante com traços por vezes simples, mas grotescamente detalhados, realçados pela coloração verde doentia. Essa aliás, é uma das sacadas mais bacanas da obra: Despertar de Cthulhu é editado em preto e branco, mas quando o horror começa a tomar forma, a paleta de um verde radioativo começa a se espalhar pelas páginas contaminando tudo. A escolha do verde para representar a presença da insanidade e do Horror dos Mythos é uma ideia genial, parabéns para quem teve o insight. Em algumas narrativas, o verde começa discreto, mas aos poucos ele vai tingindo tudo, até que as páginas parecem transbordar, saturadas por essa cor nociva.


Vou ser sincero, eu não sou muito fã de Horror Visceral, não gostei de Neonomicon por exemplo. Na minha concepção, o (quase) sempre genial Alan Moore, teve ali um ponto fora da curva, deu uma deslizada feia ao levar o horror lovecraftiano na direção de uma mistura indigesta de sexo, violência gratuita e choque pelo simples prazer de chocar. Embora, Despertar de Cthulhu enverede por um caminho semelhante em alguns momentos, recorrendo ao gore, ao choque e ao insalubre, ele consegue ser mais equilibrado. É provável que isso se deva a variedade de artistas e a interpretação particular de cada um a respeito do Horror Cósmico. Para uns, contar a história envolve ser mais direto e brutal, para outros o caminho escolhido é do "mais é menos". Com isso, as coisas ficam mais balanceadas.


Como acontece em todas as antologias assinadas por diferentes autores, há pontos altos e outros nem tanto, mas no geral as histórias são bastante interessantes. Há também uma aura de nacionalismo intenso, com histórias centradas no Brasil, com ênfase em nossa "brasileirice", com espaço para crítica social, aos nossos costumes e a tradições que quando esmiuçadas soam incrivelmente bizarras. As seminais cidades da Nova Inglaterra - Arkham e Innsmouth, usadas exaustivamente na obra de Lovecraft, dão lugar a lugarejos no interior do Brasil, vilas isoladas cheias de superstições e povoados miseráveis habitados por "nossa gente". 

Eu adoro essa valorização do terror bem próximo, detesto a noção de que para ser boa, uma história de horror tem que se passar nos Estados Unidos ou na Europa com personagens dessas nações. Ora, horror é horror e se existe uma máxima nos Mythos é que ele não obedece convenções, quanto menos as humanas. Esse conceito de puxar a ação para nosso quintal dá muito certo em algumas histórias, ainda que não em todas. 


Curiosamente, a história mais marcante da antologia não centra os acontecimentos no Brasil, mas no interior da Inglaterra em 1946. A história intitulada "Os Tambores de Azathoth" é um verdadeiro achado, contando com um texto afiado e uma arte irretocável. Não vou dar spoilers, mas misturar Openheimer, Aleister Crowley, Azathoth, pesadelos nucleares e Nyarlathotep numa mesma história é para poucos. Meus cumprimentos!

Organizado por Raphael Fernandes, "O Despertar de Cthulhu" presta uma homenagem a cultuada figura de H.P. Lovecraft se apropriando, usando e abuscando de seus conceitos e recriando o horror dos Mitos sob uma nova roupagem. 


Se o distinto Cavalheiro de Providence aprovaria ou não, é difícil dizer... é provável que ele ficasse profundamente chocado. 

Bem vindo ao século XXI, Sr. Lovecraft.

Nota - A Editora Draco promete que a coleção será uma trilogia. O segundo exemplar "O Rei Amarelo" já foi lançado e também receberá a resenha do Mundo Tentacular. O terceiro está à caminho ainda esse ano.  

segunda-feira, 27 de março de 2017

Desaparecido na mais misteriosa das Cavernas



No mundo dos desaparecimentos misteriosos existem aqueles que são especialmente incomuns, que possuem uma aura de estranheza que nos deixa atordoados e sem ação, e que por alguma razão parecem cercados por uma aura sobrenatural. Uma pessoa que simplesmente desaparece no ar já é perturbador o bastante, mas quando o caso vem acompanhado de fenômenos inexplicáveis e transcorre em lugares incomuns, ele adquire um tom ainda mais bizarro que o impele no reino das ocorrência inexplicáveis.

Este é o caso do desaparecimento de Kenny Veach, que entrou em um deserto em busca de uma misteriosa caverna e jamais retornou, deixando especulações sobre seu destino em aberto. O que aconteceu com ele? Leia adiante, e decida por si mesmo.  

Em 2014, um ávido e experiente explorador chamado Kenny Veach, deu início a uma série de videos populares no You-Tube em que ele relatava a descoberta de uma misteriosa caverna até então desconhecida. O lugar ficava nas Sheep Mountains, no estado de Nevada, ao Norte de Las Vegas e próximo da Base Aérea de Nellis. Em seus comentários, Veach de 47 anos, relatava a forma inusitada como havia encontrado a caverna. Ele afirmou que tudo foi obra do acaso. Enquanto explorava a área à noite, sentiu uma repentina vibração que parecia emanar do solo e atravessava seu corpo. Era como uma onda de choque que ele podia sentir em pulsos regulares. Andando pelo local, ele continuou sentindo essa estranha sensação, que parecia conduzi-lo aumentando gradualmente, a medida que ele se aproximava da entrada oculta da caverna. Chegou a um ponto que as vibrações engolfaram seu corpo de tal maneira que ele quase não conseguia se mover tremendo de cima a baixo. Ainda segundo sua narrativa, ele sentiu "um desejo quase incontrolável de entrar na caverna", assim que encontrou a abertura. Sem equipamento e sem planejamento prévio, algo que nas suas palavras "seria loucura"!

Reunindo toda a sua força de vontade, ele conseguiu recuar, diminuindo o impeto de avançar através daquela fenda e explorar seu interior, sem a ajuda de nada a não ser a curiosidade. 


O comentário gerou um grande interesse a respeito da misteriosa caverna e de seu "poder de atração". Também gerou muito debate com céticos questionando a respeito dessa vibração e de que maneira ela se manifestava. Muitos comentários pediam para que Kenny se preparasse adequadamente e assim que possível explorasse o interior da caverna. Desse modo, a história teria uma continuação, ou quem sabe uma explicação razoável fosse encontrada. 

Um mês depois, o explorador retornou ao deserto de Nevada com o devido equipamento e uma câmera para registrar os acontecimentos. Contudo, dessa vez, ele não foi capaz de localizar a entrada da caverna. Ele publicou o video dessa expedição, que gerou muito interesse e um certo grau de frustração. Ninguém, no entanto, ficou mais decepcionado que o próprio Kenny que parecia realmente chateado por não ter encontrado o local exato. Localizar aquela caverna parecia ser algo muito importante para ele, quase uma obsessão. Kenny escreveu a respeito da experiência:

"A região desértica em que eu encontrei a caverna é vasta. Existem muitas formações rochosas e cavernas lá. Eu estive em centenas delas, mas aquela... aquela caverna em especial tem algo diferente! Nunca senti algo parecido na minha vida! É como se o lugar estivesse chamando, compelindo, implorando para que eu entrasse! Pode demorar, mas eu vou encontrá-la, custe o que custar, vou encontrá-la".

Durante a segunda expedição, Kenny não encontrou sinal da caverna mas isso não quer dizer que não ocorreram incidentes estranhos. Enquanto procurava o local, Veach se deparou com um enorme carneiro montanhês preto que ficou no alto de um platô o observando por vários minutos. De repente, o animal sumiu, como se tivesse evaporado. Mas nada disso deteve o determinado explorador, que os amigos e companheiros definiam como um sujeito intrépido, viciado em aventura e excitação, um sujeito que amava explorar cavernas e registrar suas façanhas no campo da espeleologia. Veach era descrito como um homem sem medo, que desafiava cascavéis agarrando os animais pelo rabo para tirar fotografias. Também não tinha medo de altura, pendurava-se na beirada de abismos ou de ponta cabeça em cordas no alto de precipícios. Os amigos mais próximos acreditavam que Veach estava tão determinado a encontrar a caverna porque havia sentido algo diferente ao se deparar com ela: medo!


Ele queria encontrar o lugar para desafiar o medo irracional que havia sentido. A despeito do fluxo de preocupação e advertências de que talvez fosse melhor deixar as coisas como estavam, Veach declarou que logo organizaria uma terceira expedição na área, recusando-se a desistir de encontrar a caverna misteriosa. Ele escreveu em seu blog:

"Eu sinto que é algo que preciso fazer! Se eu abandonar essa busca, sinto que ficarei incompleto. Não há trilhas, a região é perigosa com fissuras que surgem de repente, com serpentes venenosas e calor intenso durante o dia e frio congelante à noite. Ainda assim, eu preciso fazer isso... não sei como explicar".

Para os amigos próximos Kenny revelou um curioso detalhe a respeito da segunda expedição. Ele havia sentido uma atmosfera de ameaça e perigo pairando no ar. Algo que não foi capaz de descrever em palavras. Para a terceira expedição, ele levaria uma arma de fogo. Os colegas sabiam que Kenny tinha uma pistola 9mm que nunca sentiu necessidade de levar em suas explorações. Mas por algum motivo, ele afirmou que ficaria mais tranquilo com a arma ao seu lado.      


Algumas pessoas começaram a desaconselhar que Kenny prosseguisse em sua busca. Um medium da California enviou uma estranha mensagem alertando o explorador que ele estava sendo atraído por algo maligno e que nada bom poderia sobrevir da busca por essa caverna. Outra mensagem atestava que a caverna era um lugar maldito, temido por nativos americanos por ocultar uma presença faminta, algo com que as pessoas não deveriam se envolver. Nada disso deteve o intrépido explorador, que não se daria por satisfeito até encontrar o lugar.

Em 10 de novembro de 2014, Kenny Veach rumou para o deserto para uma terceira jornada solitária em busca da misteriosa caverna no que ele planejava ser uma exploração de dois dias. Ele jamais retornou...

Depois que a data de regresso passou, os parentes e amigos de Veach começaram a ficar preocupados e as autoridades se organizaram para fazer uma busca pela área. Autoridades e voluntários se apresentaram para auxiliar nas buscas. Durante os esforços o único sinal da passagem de Veach foi a descoberta de seu telefone celular, encontrado perto de uma fissura profunda. Curiosamente, não havia nenhum rastro ou trilha no entorno que tivesse sido deixado pelo explorador. O temor inicial era que ele tivesse caído nessa fissura enquanto explorava a área na escuridão. Equipes de resgate desceram na fissura com quase 10 metros de profundidade mas não encontraram sinal de que ele havia caído.     

As buscas se espalharam por um raio de 40 quilômetros. Mais de uma centena de pessoas tomaram parte nas buscas ao longo de uma semana inteira. Dois helicópteros sobrevoaram a região que foi exaustivamente investigada. No fim das contas, nada foi encontrado. Nenhum indício, nenhuma pista, nenhuma farpa. Era como se ele tivesse sido engolido.

É claro, com esse desaparecimento, fomentado pelos vídeos em que Veach declarava haver algo estranho na caverna, as coisas ganharam muita repercussão. Muitas pessoas começaram a especular que o explorador havia realmente encontrado a caverna e que tinha desaparecido em seu interior. Kenny era famoso por procurar trilhas especialmente difíceis, por explorar regiões inóspitas e desafiar a sorte carregando apenas o equipamento básico. Seu objetivo era aumentar o desafio, testar seus limites, quanto mais difícil, melhor. Em um de seus comentários, registrados no You-Tube, ele atesta sua postura desafiante:


"Minhas caminhadas são realmente brutais. Eu não aconselho a quem não tem a mesma experiência tentar fazê-lo. Meus dedos ficam escuros, a sola dos pés cobertas de bolhas e o inchaço é quase insuportável. Eu demoro dois, três dias para me recuperar. Por vezes, perco muito peso e tenho que lidar com a desidratação. Mas essa é a graça dessas explorações, testar limites e ir mais longe"! 

Colegas exploradores concordavam que Kenny era um excelente explorador, mas que suas caminhadas eram realmente pesadas. Perigosas demais na opinião de alguns. É possível que ele finalmente tenha ido longe demais e que sua sorte simplesmente chegou ao fim. 

Outra possibilidade é que Kenny tenha entrado no deserto com um propósito: desaparecer em terreno selvagem e não voltar. De acordo com a namorada de Veach, Sheryon Pilgrim, ele tinha um longo histórico de depressão. Ela contou que Kenny sofria de depressão há anos e que se recusava a tomar os remédios prescritos por seu médico. De fato, Kenny havia desistido de ir ao consultório depois que um psicólogo o aconselhou a não realizar mais suas explorações por conta própria. O fato dele ter levado consigo uma arma de fogo também aumentou essa suspeita, mas se ele planejava se matar, onde teria ficado o corpo?

Também existe a teoria de que Veach poderia ter sido vítima de um crime. Por muito tempo falou-se a respeito de laboratórios clandestinos de Meta-anfetamina e plantações de maconha instaladas em áreas remotas do deserto. Negociações entre traficantes também ocorriam nesses lugares inóspitos e acertos de contas em que vítimas desapareciam em valas sem que ninguém soubesse. Veach pode ter sido capturado e assassinado, seu corpo ocultado em um dos milhares de esconderijos do deserto.    

E é claro, não faltam teorias bizarras.

A região onde supostamente a caverna estaria localizada ficava nas imediações da Base Aérea de Nellis, que segundo teóricos de conspirações possui um vasto sistema de túneis e subterrâneos em que militares realizam testes de armas e experimentos ultra-secretos. Algumas pessoas supõem que essa área remota é utilizada para testes de aviões experimentais e bombardeios utilizando cargas contendo radiação e explosivos experimentais. Em 2005, um grupo de exploradores amadores foi preso na região por militares e mantido sob custódia por três dias. Quando enfim foram liberados revelaram ter sido coagidos a preencher formulários em que se comprometiam a manter segredo sobre o que teriam visto, supostamente algum teste secreto.


Também existe o fato de que Vech era fascinado pelo ocultismo e pelo mundo sobrenatural. Segundo amigos, ele tinha um profundo interesse nas lendas de nativos americanos a respeito de cavernas que conectavam o nosso mundo a reinos sobrenaturais, cidades perdidas e civilizações muito avançadas que preferiam se manter ocultas, sem contato com a superfície. Ele chegou a escrever uma monografia em que defendia a existência de povos desconhecidos que deixaram sinais de sua existência nas paredes de cavernas. Alguns sugerem que a caverna misteriosa que exerceu tamanho poder de atração sobre o explorador poderia ser o ponto de entrada para uma dessas civilizações perdidas. Alguns afirmam que muitos exploradores se perderam em tais cavernas. Para outros, elas seriam portais para outras dimensões.     

Alguns teóricos sugerem que a existência de portais dimensionais estariam relacionados diretamente com a acústica no interior de cavernas. Dependendo da profundidade e do seu tamanho, certas cavernas poderiam produzir ruídos harmônicos, ressonâncias e frequências de eco que combinadas causariam efeitos inesperados nos sentidos humanos. Uma frequência de 110 Hertz parece causar um efeito em nossa percepção. Pesquisadores acreditam que várias culturas ao redor do mundo realizavam rituais religiosos no interior de cavernas com o objetivo de aproveitar a acústica e assim causar alucinações ou reações sensoriais. Atingindo determinada frequência sonora, os envolvidos conseguiam causar efeitos sensoriais tratados como uma experiência espiritual. É sabido que certas catedrais medievais foram projetadas para que a música pudesse ressonar em seu interior de determinada forma se beneficiando da acústica. Essa seria uma explicação razoável para visões sagradas, no caso, alucinações causadas por essa alteração sensorial. 

Veach relatou estranhas vibrações na noite em que encontrou a caverna, como se estas tivessem lhe atraído até o local. É possível que essa vibração tenha se manifestado novamente? Seria possível que alguma estranha vibração pudesse ter causado a obsessão de Veach? Ou talvez, tenham agravado seu quadro de depressão... 


E quanto a misteriosa caverna citada pelo explorador? O lugar jamais foi encontrado a despeito dos esforços de dezenas de exploradores que tentaram localizá-la desde então. A região inteira foi esquadrinhada cuidadosamente, mas nada parecido com o que o explorador descreveu foi encontrado. Seria possível que ela nunca tenha existido? Será que o explorador inventou a história como um golpe de publicidade? Ou teria ele imaginado a sua existência?

No fim das contas ninguém sabe o que aconteceu com Kenny Veach, ele simplesmente desapareceu sem deixar vestígios. Alguns supõem que ele de fato encontrou a caverna e que desapareceu em seu interior, talvez por acidente, quem sabe voluntariamente.  Seu desaparecimento continua tão enigmático quanto no dia em que ele sumiu da face da Terra, atraindo a atenção de pessoas interessadas em mistérios dessa natureza. É uma história de aventura, exploração, envolvendo lugares místicos e questionamentos que aparentemente estão fadados a nunca encontrar respostas. Se a Caverna é real, ela continua escondida no coração de um deserto inclemente, aguardando para ser descoberta ou quem sabe, pela sua próxima vítima.   

quarta-feira, 22 de março de 2017

Ravenloft: Curse of Strahd: Os Personagens da Campanha



A campanha Curse of Strahd de D&D 5th, conta com cinco heróis valorosos.

Eles são os personagens dos jogadores que irão desbravar os mistérios de Barovia e tentarão confrontar o Lorde desse Domínio amaldiçoado.

Desejem a eles boa sorte, pois irão precisar!

Simone Beaumont (Ladina, nível 2)
Personagem de Thiago Queiróz

Raça: Humana (Tethyrian com traços Illuskan)
Background: Investigador
Alinhamento: Caótica e Neutra

Idade: 25 anos, Sexo: Feminino
Altura: 1,65 m, Peso 50 Kg
Cabelos: Pretos, Olhos: Cinzentos
Pele: Branca

Local de Nascimento: Athkatla, no Reino de Amn

Aparência e Comportamento: Altiva e cheia de energia, sua postura é de extrema confiança em suas próprias habilidades. Sempre diz o que pensa o que tende a ser desconcertante para alguns, soando extremamente arrogante para a maioria. Seus longos cabelos negros ficam presos em um coque funcional. Os olhos tem um tom azulado quase metálico que brilham quando está excitada. Ao se mover, ela o faz com inegável graça e elegância.
ATRIBUTOS:

FOR 9     DES 16     CON 10     INT 16     SAB 12     CAR 10

Habilidades: Atletismo +1, Acrobacia +5,  Furtividade +7, Investigação +5, Intuição +3, Percepção +5, Enganar +2

Armas: Rapieira (disfarçada como sombrinha) +5; Besta Leve +5, Besta de Pulso +5

Background: Investigador

Personalidade: "Eu sempre mantenho a calma e totalmente em controle da situação não importa o que aconteça"

Ideais: "Não se trata da recompensa, mas da emoção do jogo".

Ligação: "Eu posso até gostar da companhia de meus associados, mas eles não passam de assistentes e ajudantes".

Desvantagem: "Meu orgulho por vezes é interpretado como arrogância".

Características de Raça e Classe: Expert em Crossbow, Ataque de Surpresa

Citação: "O tédio é o veneno da alma, nada pode ser pior! Mas então, inesperadamente, algo acontece! E é como se a vida fluísse e tudo fizesse sentido. O Grande Jogo se inicia, e ninguém sabe até onde ele vai nos levar e quão perigoso vai ser! Deuses, isso é que é vida!" 

Histórico: Nativa do Reino de Anm, Simone recebeu uma educação esmerada em uma escola que favorecia as bases da filosofia e da razão. Desde cedo ela aprendeu que o sucesso depende mais de astúcia e inteligência do que de força bruta. Refinando suas habilidades, ela começou a se destacar como uma pessoa capaz de "resolver problemas" para indivíduos poderosos e organizações importantes. Trabalhando como investigadora ela teve a oportunidade de conhecer vários reinos em missões que envolviam recuperar objetos, determinar o paradeiro de pessoas desaparecidas ou expor conspirações. Apesar de ser muito bem paga por tudo que faz, sua primeira e mais importante motivação, é a emoção da caçada e a excitação de enfrentar oponentes que ofereçam um desafio à altura da sua sagacidade.     

Gareth II (Guerreiro, nível 2)
Personagem de Rafael Neves

Raça: Humano (Tethyrian com traços Illuskan)
Alinhamento: Neutro

Idade: 23 anos, Sexo: Masculino
Altura: 1,87 m, Peso: 90 Kg
Cabelos: Castanhos , Olhos: Azuis
Pele: Branca

Local de Nascimento: Arredores de Daggerford, Costa da Espada

Aparência e Comportamento: Quieto e taciturno, Gareth tende a ser uma pessoa discreta tanto no comportamento quanto na disposição geral. Ele veste trajes escuros que combinam bem com sua sobriedade. Raramente fala de seu passado, exceto para os poucos amigos em quem escolhe confiar. Gareth possui duas cicatrizes na face sobre as quais jamais fala. Ele encara essas e outras marcas como símbolos de sua missão de vingança e se orgulha de cada uma delas. 
ATRIBUTOS:

FOR 16     DES 14     CON 15     INT 12     SAB 11     CAR 10 

Habilidades: Acrobacia +4, Atletismo +5, Discernimento +2, Investigação +3 

Armas: Espada Longa +5

Background: Vingador

Personalidade: "Visto roupas negras dos pés a cabeça como símbolo de meu eterno luto".

Ideais: "Eu não persigo fama ou glória. Meus motivos são outros!".

Ligação: "Minha honra só será lavada pelo sangue de meus inimigos vencidos".

Desvantagem: "Eu não perdoo os que traem a minha confiança".

Características de Raça e Classe: Duelista, Retomar o Fôlego, Corrente de Aliados

Citação: "Não importa que meu corpo sofra e que meu espírito se perca, tudo o que importa é que minha espada tem Sede de Vingança. E ela precisa ser saciada".

Histórico: Gareth II foi criado para ser um guerreiro tão destemido quanto seus pais, bem sucedidos membros de uma Companhia de Aventureiros que após se aposentar, receberam terras de um nobre. Crescendo na companhia de verdadeiros heróis, ele recebeu desde cedo treinamento não só no manejo da espada, mas em táticas militares e liderança. Ainda jovem, decidiu se juntar a um Grupo de Aventureiros inexperientes que viajavam pela Costa da Espada em busca de riqueza e glória. Após algumas desventuras, Gareth retornou ao seu Lar encontrando o lugar devastado. Atordoado pela tragédia ele recolheu os corpos de seus parentes e amigos das cinzas ainda fumegantes. Após enterrar os mortos, jurou uma Vingança Solene contra os responsáveis por aquela desgraça. As pistas que ele coletou apontavam inequivocamente para criaturas da noite, seres que existem na fronteira entre a vida e a morte. Gareth prometeu diante do túmulo dos pais, que viveria para ver esse mal extinto, nem que tivesse de perseguir cada morto vivo de Faerum e fazê-los queimar! 


Braguir, o Otimista (Clérigo, Nível 2)
Personagem de Gabriel Velloso

Raça: Humano (Chondathan puro)
Alinhamento: Leal e Bom

Idade: 45 anos, Sexo: Masculino
Altura: 1,88 m, Peso: 110 kg
Cabelos: Calvo, Olhos: Castanhos
Pele: Branca

Local de Nascimento: Ordulin, Reino de Sembia

Aparência: Alto e um pouco acima do peso, um sujeito robusto de peito largo e atitude positiva. O sorriso fácil emoldura uma face amigável e compassiva. Braguir raspa os cabelos pretos frequentemente assumindo uma postura monástica. Apesar de se deleitar com as boas coisas da vida (vinho, comida e diversão) ele tenta evitar exageros. Suas roupas são limpas e ele prima pelo asseio. Durante datas religiosas ou nos rituais importantes, ele usa tinta dourada sobre a pele remetendo ao seu Deus.
ATRIBUTOS:

FOR 10     DES 12     CON 14     INT 11     SAB 16     CAR 12  

Habilidades: Discernimento +5, Medicina +5, Percepção +5, Persuasão  +5, Religião +2

Armas: Cajado +2, Magias +5

Background:  Acólito

Personalidade: "Nada é capaz de alterar minha atitude otimista".

Ideais: "Eu confio que meu Deus guiará meu caminho e que as coisas irão acontecer da maneira que ele planejar".

Ligação: "Tudo que eu faço é para as pessoas comuns e aqueles próximos de mim".

Desvantagem: "Meu otimismo às vezes me cega para os perigos diante de mim"

Características de Raça e Classe: Magias de Clérigo, Talento de Curandeiro, Domínio da Vida, Pode usar armaduras pesadas, Magia de Cura ampliada.

Citação: "Cantemos a Canção da Aurora, e que o som de nossas preces alcance os céus e faça brilhar a Face do Senhor da Luz".

Histórico: Braguir nasceu em Sembia, o terceiro filho de um Senhor de Terras. Ao contrário de seus irmãos, que o provocavam a explorar os limites das Terras, ele se sentia mais confortável na biblioteca onde podia ler e estudar os antigos manuscritos. Ele planejava se tornar um acadêmico, mas seus planos foram atrapalhados por uma terrível peste que atingiu o Reino causando morte e tragédia sem precedente. Depois de assistir impotente a morte de amigos e familiares, ele se ofereceu para cuidar dos doentes. Muitos acharam que o jovem herdeiro havia enlouquecido, mas Braguir encontrou sua vocação, ajudando as pessoas necessitadas que sofriam os efeitos do terrível flagelo. Sozinho ele salvou inúmeras vidas oferecendo cura a quem precisava ou ao menos uma palavra de otimismo aos que haviam perdido tudo. Abdicando ao seu título e das riquezas a que tinha direito, ele se juntou a Igreja de Lathander com a convicção de que poderia fazer a diferença em um mundo que nem sempre é justo.   

Adrie (Feiticeira, Nível 2)
Personagem de Jéssica Barros

Raça: Meia-Elfa (traços Illuskan)
Alinhamento: Caótica e Boa

Idade: 25 anos,  Sexo: Feminino
Altura: 1,75 m, Peso: 52 kg
Cabelos: Loiros (Platinados), Olhos: Azuis (pálidos)
Pele: Branca (pálida)

Local de Nascimento: Ilipur, na Costa do Dragão.

Aparência: A pele de Adrie é tão alva que lembra a face iluminada da lua prateada de Toril. Seus cabelos são igualmente claros e lisos, caindo sobre os ombros como uma cachoeira platinada. Seus olhos tem uma coloração azulada e fria que contrastam com os lábios carmesim. Adrie sempre veste um manto simples de viagem com capuz para esconder suas feições e afastar curiosos. Sua beleza marcante poderia se destacar em qualquer ambiente, mas ela prefere ser discreta e não chamar a atenção.   
ATRIBUTOS:

FOR 10     DES 14     CON 12     INT 14     SAB 12     CAR 16 

Habilidades: Arcana +4, História +4, Discernimento +3, Investigação +4, Natureza +4, Religião +4

Armas: Adaga +4, Besta Leve +4, Magias +5

Background: Sábia

Personalidade: "Não há nada que eu aprecie mais do que um bom mistério"

Ideais: "O ideal de uma vida de estudo é o aprimoramento do meu ser como um todo".

Ligação: "Eu venho buscando a minha vida inteira pela resposta de uma pergunta". 

Desvantagem: "A maioria das pessoas foge quando vê um demônio, eu pego meus papéis e começo a fazer anotações".

Características de Raça e Classe: Visão na Penumbra, Sangue Élfico, Magias de Feiticeiro, Origem da Feitiçaria (Sombras), Não sangra, Possui Visão na Escuridão, Pode conjurar Escuridão e Enxergar em seu interior com clareza.

Citação: "Se possível dê mais detalhes e tente ser mais claro. Conte exatamente o que você viu. Como era? Com o que parecia? Você se importa se eu fizer anotações enquanto fala?" (já apanhando um caderno de notas).

Histórico: Adrie sabe muito pouco a respeito de sua origem. As pessoas que adotaram a menina meio-elfa de pele pálida e cabelos brancos, a encontraram nas profundezas de uma caverna, na manhã seguinte a um longo eclipse que tornou a noite especialmente escura. Alguns supersticiosos disseram que o surgimento daquela criança era mau agouro e evitavam a menina. Crescendo hostilizada, ela soube desde cedo que, para seu bem, era melhor agir de forma discreta. Na adolescência Adrie descobriu seu dom natural para invocar energia mística e empregar na criação de feitiços. Ela não era apenas uma feiticeira, mas alguém que comandava as sombras e usava a escuridão como um manto natural. Temendo que as pessoas supersticiosas de seu vilarejo pudessem fazer mal a ela e aos pais adotivos, ela decidiu partir em busca de sua origem, ou quem sabe, escrever sua própria história.    


Rün Havenhide (Paladino, Nível 2)
Personagem de Jonata Rubio

Raça: Humano (Calishita puro)
Alinhamento: Leal e Bom

Idade: 23 anos, Sexo: Masculino
Altura: 1,92 m, Peso: 110 kg
Cabelos: Pretos (em Dreadlocks), Olhos: Pretos
Pele: Negra

Local de Nascimento: Porto de Calim, no Reino de Calinshan

Aparência: Run é um sujeito eloquente, o tipo de pessoa que todos gostam de ter por perto seja em uma taverna ou lado a lado numa batalha. Sua voz empostada, atinge um tom de barítono quando ele está irritado ou distribui ordens. Nesse caso é bom sair de seu caminho! Seus cabelos são amarrados cuidadosamente em tranças enfeitadas com argola douradas que pendem livres. Forte e cheio de vigor, ele transmite uma aura de determinação, requisito essencial para todos que se intitulam Guerreiros Sagrados.   
ATRIBUTOS:

FOR 14     DES 13     CON 14     INT 11     SAB 11     CAR 16 

Habilidades: Discernimento +2, Medicina +2, Religião +2

Armas: Espada Longa +4, Besta Leve +3

Background: Acólito

Personalidade: "Eu idolatro um herói em particular da minha fé, e constantemente me refiro a ele pelos seus atos e façanhas".

Ideais: "Fé. Eu acredito que meu Deus irá guiar as minhas ações. Eu tenho fé de que se trabalhar pesado, as coisas acontecerão da melhor maneira possível".

Ligação: "Eu devo minha vida ao sacerdote que me adotou quando meus pais morreram".

Desvantagem: "Minha piedade por vezes me leva a confiar cegamente naqueles que professam a fé em meu Deus".

Características de Raça e Classe: Estilo de Luta (Proteção), Senso Divino, Cura pelas Mãos.

Citação: "Ainda que eu ande pelos Vales da Noite Eterna, eu não temerei, pois Lathander estará comigo iluminando o caminho".

Histórico: Após um violento levante de tribos orcs, os pais de Rün foram mortos e ele abandonado para ter o mesmo destino. Apenas sua determinação permitiu que ele sobrevivesse nos ermos por conta própria. Ninguém sabe por quanto tempo, ninguém sabe de que maneira. O fato é que quando o jovem foi encontrado por uma patrulha de soldados, era quase uma fera selvagem. O menino foi levado para a Metrópole de Baldur's Gate e deixado aos cuidados de um jovem sacerdote da Igreja de Lathander chamado Braguir. Rebelde e cheio de ódio, tudo o que Rün desejava era fugir e ganhar o mundo para viver pela força. Aos poucos, no entanto, ele foi aceitando os ensinamentos do Deus Solar transmitidos por Braguir. Estes lhe concederam uma nova razão para viver. Rur acredita ter sido convocado pelo próprio Lathander para uma missão sagrada, que um dia lhe será revelada. Abdicando da Vingança, ele adotou o caminho da Justiça, em uma busca constante para levar o nome e os ensinamentos de seu Deus onde quer que vá.           

segunda-feira, 20 de março de 2017

Berserker - Em Busca dos Guerreiros Furiosos do Passado


"Essa noite eu entrego minha vida aos Deuses,
Corremos para lutar na batalha, em busca de glória
Irmão urso dê sua força e lutarei ao seu lado,
Para rasgar e ferir, para matar e morrer!

A Canção do Berserker

Há séculos os guerreiros nórdicos conhecidos como Berserker são tratados com um misto de fascínio e curiosidade. Dizem as lendas que eles lutavam como animais selvagens: implacáveis, sem medo, por vezes confundindo aliados e inimigos em sua fúria cega. Seriam eles virtualmente imbatíveis no campo de batalha. A palavra inglesa berserk que significa "violento, incontrolável ou destrutivo" tem a sua origem nessas estranhas figuras. Uma mitologia inteira surgiu ao redor dos berserkers, mas na prática sabemos muito pouco a respeito deles: Realmente existiram esses guerreiros ferozes? Quem foram? É verdade que eles conseguiam suportar enormes ferimentos e continuar lutando? Qual era a fonte de suas habilidades? Nesse artigo, procuramos as origens da lenda, vestimos nosso elmo de ferro e afiamos nosso machado para encontrar os verdadeiros berserkers.

Há muitas lendas e teorias sobre como os Berserker se comportavam no campo de batalha. Diz a lenda que eles podiam sustentar enormes danos e prosseguir lutando a despeito de ossos quebrados, hemorragias internas e flechas perfurando sua carne. Seria algum tipo de transe ou frenesi que os tornava imunes a dor? Eles ficavam realmente mais fortes e poderosos? Seria verdade que eles ingeriam cogumelos alucinógenos? Antes de partir para essas questões, vamos nos concentrar nos fatos.

O que nós sabemos a respeito dos Guerreiros Berserker?


Os Berserkers são citados em várias Sagas, históricas épicas escritas pelos Povos Nórdicos entre o século X e XIV. A palavra vem de ber-serkr, usualmente traduzido como homem com peito de urso, possivelmente se referindo a homens que usavam armaduras ou proteção em combate feita do couro ou da pele de ursos. Há outras interpretações que sugerem que esses guerreiros "lutavam como ursos", ou seja, sem armaduras, de peito nu e sem qualquer proteção. Uma terceira possibilidade é que os berserkers utilizassem partes de animais ferozes, como ursos, lobos e javalis como ornamento sobretudo nos capacetes. Essas fantasias serviam para evocara fúria dos animais em uma estratégia que visava aterrorizar os oponentes. E parecia funcionar, a mera visão dos berserker em ação podia ser o bastante para deixar os inimigos em estado de choque.

De fato, uma das menções mais famosas a respeito de berserkers surge em uma saga na qual eles cumprem o papel de tropas de choque do Rei Harald Fairhair, o primeiro governante da Noruega, em meados do ano 900. 

A associação dos berserker com peles de animais levou ao surgimento de uma mitologia específica e comparações nas quais eles eram tratados como lobisomens e skinwalkers (homens capazes de assumir a forma de animais selvagens). É provável que os guerreiros estivessem cientes do medo que provocavam em seus oponentes, pois sem dúvida estes mencionavam a ferocidade dos berserker em suas narrativas. Mais de um documento do período falava do horror e do medo que as pessoas sentiam de encontrar esses guerreiros frente a frente. O autor Richard John King, escrevendo em uma edição do jornal literário Notes & Queries, fez um resumo do controverso trabalho do historiador da cultura Viking, Grímur Jónsson Thorkelin:


"Thorkelin, em seu ensaio sobre o mito do Berserkir, com base no Kristni-Saga, afirma que um antigo nome para a lendária Fúria Berserk é hamremmi, que significa: "Força adquirida de outra pessoa ou de outro ser", pois existe uma crença muito antiga de que as pessoas que experimentam o frenesi do guerreiro na verdade incorporam o ódio de outras pessoas ou de animais ferozes para lhes conceder força e resistência sobre-humana".

"Parece claro, portanto", prossegue Thorkelin, "que o estado desses homens sob a Fúria Berserk assume uma postura diferente do normal, incorporando uma ferocidade que remete a animais e homens selvagens. Enquanto nesse estado, são incapazes de racionalizar, agindo como que por instinto, atacando, ferindo e matando como ato contínuo de defesa diante de qualquer ameaça ou insinuação de ameaça".

Os pesquisadores do Mito do Berserker ao longo do século XIX e XX, compartilhavam desse pensamento. Para eles, o Estado de Fúria podia ser obtido através de uma catarse emocional, na qual o guerreiro voluntariamente regredia ao estado selvagem, abraçando seu lado primitivo e cedendo aos instintos. 

A fúria do Berserker, era chamada pelos nórdicos de berserkergang (bärsärkar-gång), um estado de completo abandono da razão. Snorri Sturluson, um proeminente autor e pesquisador das sagas, descreve essa condição da seguinte maneira: 

"Os Berserker urravam, gritavam, gargalhavam e choravam, tudo ao mesmo tempo. Alguns não eram capazes de falar. O turbilhão de emoções parecia consumi-los de tal maneira que seus olhos ficavam injetados, os dentes se arreganhavam em um rosnado profundo, a expressão facial se transformava numa máscara e sua postura se assemelhava a de uma fera acuada. Esses guerreiros então se lançavam contra os inimigos, sem armaduras, como cães selvagens ou lobos. Corriam pelo campo de batalha, às vezes nus, almejando chegar o quanto antes até seus inimigos. Por vezes, atacavam seus próprios aliados sem motivo aparente, apenas pela sede de sangue. Eram fortes como ursos ou touros selvagens, e matavam com as próprias mãos, golpeando, arranhando e mordendo. Com um machado ou espada eram destruidores. Não temiam nada, nem aço ou pedras, nem flechas ou óleo fervente".


As Sagas de fato mencionam guerreiros cruzando colunas de fogo, investindo contra paredes de escudos e lanças para romper linhas de defesa, avançando contra inimigos em maior número e mais bem armados. De peito nu, armados com fúria e selvageria. Arrancavam cabeças, mordiam tendões, massacravam o que estivesse a sua frente. Estes são os Berserkers das Lendas.

Mas como homens normais podiam atingir esse Estado de Fúria?

Explicações modernas para o berserkergang invocam o consumo de substâncias que poderiam desencadear a Fúria. Fala-se muito dos cogumelos alucinógenos da qualidade Fly Agaric que produz o componente químico Amanita muscaria, conhecido por provocar visões e delírios. Essa teoria no entanto encontra três obstáculos:

Primeiro: Em nenhuma Saga Nórdica em que ocorre o berserkergang, existe menção a algum alimento, bebida ou substância que precisa ser ingerida como forma de iniciar a fúria. Nas Sagas, a fúria é invocada de maneira espontânea. 

Segundo: Existem guerreiros similares aos Berserker em várias culturas ao redor do mundo, e nenhum cogumelo (ou coisa semelhante) se faz necessário para invocar a fúria. A condição é chamada de "Síndrome Amok" na Malásia e na Indonésia, nome que foi incorporado ao idioma inglês no qual "amok" é tradução de enfurecido. Ela é tratada como "mal de pelea" em Porto Rico, de "Transe sangrento" na América Central e de "grisi siknis" na India. Até mesmo os esquimós tem algo chamado pibloktoq, uma fúria deflagrada pelo stress de longas noites sem sono. Nenhum fungo é usado por esses povos, em muitos casos pelo simples fato deles não existirem nesses ambientes. 

Terceiro: a teoria do cogumelo alucinógeno é bem pouco fundamentada. Ela foi sugerida pela primeira vez pelo teólogo sueco Samuel Ödmann em 1784, basedo em histórias coletadas por ele a respeito do uso de substâncias por Xamãs Siberianos para obter visões. Não há nada entretanto a respeito da utilização desses mesmos cogumelos por tribos Vikings, seja em rituais ou para a guerra. Trata-se portanto de uma teoria sem qualquer base, mas que, ainda assim, é frequentemente defendida por estudiosos do assunto.


Mas se a fúria dos Berserker não tem a ver com a ação de elementos externos psicotrópicos, como ela poderia ser invocada? A psicologia moderna ofereceu recentemente uma explicação que parece se encaixar em vários elementos. Participar de batalhas medievais era obviamente uma experiência assustadora que cobrava uma pesada carga emocional naqueles que testemunhavam a violência ou dela participavam. Tomemos por exemplo os seguintes trechos extraídos da Saga de Egil:

"Ele ergueu o machado e atingiu a lateral direita da cabeça de Hallvard através do capacete e do crânio. A força do golpe foi tão grande que a lâmina ficou presa profundamente no osso e ele teve de apoiar o pé na face do cadáver para arrancá-la de onde havia se alojado. Em seguida, tomado de grande fúria passou a desferir repetidos golpes no rosto até que ele se transformasse em algo que não podia ser reconhecido como a face de um homem".

Consideremos outro momento em que Egil está disputando um jogo amistoso com seu amigo Thord e o pai deste, Skallagrim. De repente, sem nenhuma provocação:

"Egil segurou Skallagrim com toda sua força e o empurrou para trás, lançando-o sobre Thord que por sua vez também caiu de costas. O estrondo da queda foi tamanho que Skallagrim demorou a se recobrar. Thord, no entanto, não se movia e quando foram verificar descobriram que ele estava morto, o pescoço havia quebrado".

Finalmente, há essa cena envolvendo o mesmo personagem, quando ele reconhece um homem que aparenta ser um inimigo que ele encontrou no campo de batalha:

"...e correu para cima dele com a raiva queimando em seus olhos. Atacou-o pelas costas, segurando seus braços e o jogando no chão. Em seguida subiu sobre ele, imobilizando-o sobre seu peso a medida que segurava a cabeça pelos cabelos e a batia contra o piso de pedra. No terceiro choque o homem desmaiou, mas ele continuou batendo com força até que estivesse morto. E quando terminou, as testemunhas tiveram receio de se aproximar, pois ele continuava sobre o corpo, rosnando furioso". 


Considerando esses trechos de Sagas envolvendo berserkers, parece óbvio constatar que a vida dessas pessoas era guiada pela violência. Mesmo em momentos de aparente tranquilidade, eles podiam ser tomados de uma raiva repentina que os consumia, quase que obrigando a adotar uma postura violenta. Psicólogos relacionaram uma modalidade extrema de Desordem por Stress Pós-Traumático (PTSD - Post Traumatic Stress Disorder) que impele o indivíduo a uma reação dissociativa de violência que se encaixa perfeitamente no perfil dos berserker.

É importante notar que a maioria das pessoas que desenvolvem PTSD não age dessa maneira, contudo, eles não estão sujeitos às mesmas condições desses guerreiros. Os berserker estavam inseridos em uma sociedade brutal, participavam de combates sangrentos desde jovens, tornando-os familiarizados com violência extrema, nua e crua na qual, se viam imersos. Nas sagas, os berserker são sempre descritos como veteranos de muitos confrontos, indivíduos forjados no campo de batalha e testados contra inúmeros inimigos.

Pesquisadores atestam que durante um episódio severo dessa modalidade de Choque Pós-Traumático o corpo assume uma postura de hiper-excitação, também chamado de resposta aguda de stress. A adrenalina é bombeada para a corrente sanguínea com mais velocidade. As vias aéreas relaxam para maximizar a capacidade respiratória e o metabolismo. Os músculos realizam glicólise, que produz moléculas ricas em energia para abastecer ações extraordinárias. Endorfinas são produzidas no cérebro para bloquear o desconforto e a dor. A visão periférica se estreita para diminuir qualquer distração e manter o foco. Reflexos e reações melhoram significativamente. Funções não essenciais como digestão diminui seu ritmo ou param por completo. O corpo se ajusta e responde fornecendo ao indivíduo tudo aquilo que ele precisa para reagir, habilidades extraordinárias que constroem um guerreiro berserker afloram.

O episódio causa também uma transformação física bastante perceptível. A pessoa experimenta uma súbita onda de euforia e reações emocionais espontâneas a medida que o rosto assume um tom avermelhado característico de indivíduos furiosos. Em seguida, o controle simplesmente desaparece! É o que muitos se referem como "explodir". A pessoa perde a razão, passa a agir por instinto, avançando como um animal selvagem contra qualquer coisa que possa representar uma ameaça. Sua postura é descuidada, impulsiva e auto-destrutiva.

Ainda que esteja diante de amigos de longa data, se vê incapaz de distinguir amigo de inimigo, investindo preventivamente contra qualquer um que esteja próximo. Esse é um ponto interessante a respeito dos berserker, que segundo as lendas, atacavam até mesmo aliados quando se deixavam levar pela fúria. Durante episódios dissociativos, a memória e a capacidade de reconhecimento diminuem fazendo com que a pessoa demore a reconhecer quem está a sua volta. No auge da crise, percebe apenas vultos que são identificados como ameaças em potencial num campo de batalha. É por isso, que ao fim da crise a pessoa não sabe exatamente o que aconteceu e custa a lembrar que tomou parte nos acontecimentos. Novamente isso está de acordo com o comportamento dos Berserker que após incorporar a Fúria, se mostravam confusos e levavam algumas horas para se recobrar. 


Outro elemento interessante a ser analisado diz respeito ao vigor físico dos Berserker. Segundo a lenda, eles se transformavam no campo de batalha, a fúria concedia a eles capacidades "sobre-humanas", não apenas na forma de uma resistência notável para suportar ferimentos, mas de força física, velocidade e determinação. Sabe-se que a produção de endorfinas no cérebro em momentos de stress pode aumentar enormemente com uma forma de compensar possíveis ferimentos e permitir ao corpo suportar a dor. No caso de indivíduos sofrendo de um episódio de resposta aguda de stress, a quantidade de endorfinas liberadas é ainda maior. O sujeito se torna quase imune a dor e sofrimento físico, podendo lidar com ferimentos maciços que normalmente o colocariam fora de combate.

Além disso, a força física é ampliada. Ele corre mais rápido, seus músculos o impelem com mais vigor, gerando potência extra. É como o exemplo de indivíduos que sofrem um acidente de carro e são capazes de mover um peso enorme para escapar de ferragens ou como uma pessoa prestes a ser atropelada que salta além do que acharia possível. A resposta ao stress é quase que imediata, forçando o corpo a uma reação espontânea e inesperada. Na maioria das pessoas, essa reação tende a ser súbita e durar pouco tempo, em indivíduos em crise, ela tem uma duração bem mais longa.

Verificando todos esses elementos do comportamento de uma pessoa em Crise de PTSD é impossível não reconhecer vários indícios em comum com os Berserker. As evidências parecem se encaixar perfeitamente e fazer todo sentido.

Poderiam então, os poderosos Guerreiros Berserker das Sagas Vikings, serem nada mais do que pessoas comuns sofrendo de uma grave desordem psicológica?

A vida de um guerreiro medieval devia ser realmente aterrorizante: o medo constante de morrer de maneira dolorosa, o horror de se ver em meio de uma batalha sanguinária e a perspectiva de sofrer mutilações, acabavam cobrando um alto preço na mente dessas pessoas. Elas se tornavam duras e reagiam de forma natural com extrema violência. Acrescente a isso uma sociedade que glorificava a brutalidade e temos elementos suficientes para construir guerreiros implacáveis e quase imbatíveis.

E acredite, a última coisa que você iria querer encontrar em um campo de batalha seria um Berserker.

sexta-feira, 17 de março de 2017

Doors to Darkness - Uma antologia de cenários para jogadores e mestres iniciantes


Doors to Darkness: Five Scenarios for Beginning Keepers (Portas para a Escuridão: Cinco Cenários para Guardiões Iniciantes) tem a distinção de ser a primeira antologia publicada pela Chaosium para a Sétima Edição de Call of Cthulhu que não é custeada por uma campanha de Financiamento Coletivo.

Como o título sugere, ela contém cinco cenários desenhados para funcionar como apresentação do jogo a novos jogadores, conduzidas por novos Mestres de Call of Cthulhu (chamados de Keepers ou, Guardiões). Mas nem por isso ela fica devendo nos quesitos horror, mistério, investigação, monstros assustadores, magia negra, e segredos ancestrais. Os cinco cenários são planejados para oferecer desafios, sem serem necessariamente letais, e introduzem conceitos chave a Call of Cthulhu, através de exemplos e sugestões. Para esse fim, cada cenário inclui seções especialmente marcadas com Conselhos para os Guardiões de primeira viagem, a respeito de tudo; desde como conduzir as pesquisas até como estabelecer as motivações que vão impelir o grupo ao longo da investigação. Além disso, o suplemento também serve como um guia básico sobre como escrever cenários para Call of Cthulhu.


Apesar dos cinco cenários serem claramente voltados para novatos, eles também são ótimos para mestres veteranos com anos nas demais edições e que ainda estão se acostumando com os conceitos e regras da sétima edição. 

O primeiro capítulo de Doors to Darkness apresenta uma seção chamada "Sharing Nightmares: Tips for Gamemastering and Playing Call of Cthulhu" (Compartilhando Pesadelos: Dicas para Conduzir e Jogar Chamado de Cthulhu). Escrito por Kevin Ross, um veterano do sistema, conhecido pelo cenário "Tell me, have you seen the Yellow Sign?", originalmente publicado na década de 1990 na antologia The Great Old Ones, e mais recentemente pela coleção Tales of the Crescent City da Golden Goblin Press. Em aproximadamente dez páginas o capítulo oferece conselhos a respeito de uma série de tópicos, desde diferentes estilos de jogo, passando por como construir uma atmosfera tipicamente Lovecraftiana, até como memorizar as regras e oferecer um mistério de forma atraente. Esta é uma excelente introdução para muitos temas e elementos comuns no jogo, elegantemente construído na forma de dicas valiosas. Guardiões veteranos também irão se beneficiar com a leitura, nem que seja como reforço para as diretrizes da ambientação.


Pessoalmente eu achei o capítulo bem interessante e mesmo estando acostumado a Call of Cthulhu, nunca é demais ouvir os comentários de outro veterano, nem que seja para uma espécie de reciclagem de conceitos.

Todos os cinco cenários apresentados em Doors to Darkness se passam no período clássico de Call of Cthulhu, os Loucos Anos 1920 quando o Jazz estava no auge, os bares vendiam whiskey contrabandeado e o mundo estava mudando em velocidade acelerada. Todos eles também se passam na Nova Inglaterra, a região lovecraftiana por excelência. Isso significa dizer que os cenários podem se converter facilmente em uma pequena campanha no quintal Lovecraftiano. É claro, há dicas e sugestões para transferir a ação para outros lugares ou adaptá-los para os dias modernos com relativa facilidade.


O primeiro cenário do livro tem o título "The Darkness Beneath the Hill" (A Escuridão sob o Monte) e foi escrito por Christopher Smith Adair. A história se passa na raramente visitada cidade de Providence, no estado de Rhode Island, a terra natal de H.P. Lovecraft. Os investigadores são convocados por um velho amigo em comum chamado Josh Winscott (numa das premissas mais batidas para reunir um grupo). Ele os chama para sua casa que está passando por obras. Winscott descobriu uma série de túneis no subsolo de sua propriedade e ele quer que seus amigos o ajudem a explorar essas passagens e determinem quem os construiu, quando e com que objetivo. Antes de concluir as pesquisas e preparativos para iniciar a exploração, Winscott simplesmente desaparece. O que teria acontecido com o sujeito? 

"The Darkness Beneath the Hill" é incrivelmente simples e direto. Confesso que quando li pela primeira vez achei até bobo. A aventura soa realmente básica em vários detalhes - um amigo em perigo os chama, há um complexo subterrâneo a ser explorado, existem coisas espreitando na escuridão, e um inimigo traiçoeiro espera tirar vantagem da curiosidade dos investigadores. O cenário oferece poucas pistas e relativamente poucas pesquisas que possam auxiliar o grupo a completá-lo em segurança. A aventura se resume a uma exploração.


De certa forma, "The Darkness Beneath the Hill" parece com uma aventura no estilo "dungeon crawl", uma espécie de cenário muito mais adequado a jogos de aventura e exploração (cof, cof, D&D). Ainda assim, a simplicidade e a natureza direta do cenário não tornam o desenvolvimento ruim. O roteiro é bem explicado e a  ausência de complexidade não significa em absoluto que a aventura será resolvida facilmente. De fato, essa talvez seja a história com maior grau de ameaça e perigo para os personagens, uma maneira interessante de mostrar que os Mythos podem se manifestar de várias maneiras, nem sempre, intrincadas. Para jogadores que jamais jogaram Call of Cthulhu e que querem fazer uma transição lenta e gradual, da boa e velha masmorra dos finais de semana, para um típico mistério, essa história será uma ótima opção.  

O segundo cenário foi escrito por Brian Courtemanche e tem o título "Genius Loci". Ele se passa no lendário Manicômio Municipal de Danvers. Um amigo dos investigadores, Lawrence ‘Larry’ Croswell, um excêntrico escritor local e folclorista, se interna voluntariamente para descansar e se recuperar após uma traumática pesquisa no campo do sobrenatural. Mas então, ele envia uma carta para seus amigos afirmando que há algo de errado no asilo. A carta não da detalhes, mas é enfática sinalizando com algo terrível acontecendo atrás das paredes.


Uma das medidas mais óbvias para qualquer mestre interessado em transformar a história em uma sequência do primeiro cenário é alterar a identidade do amigo internado para a de outro personagem. Possivelmente Josh Winscott do cenário anterior ou quem sabe um colega que tenha sofrido um colapso nervoso na primeira aventura. 

Após a primeira aventura, este soa como  um cenário bem mais tradicional - ele envolve mais investigação, preparativos, e consequências, caso o grupo não deseje investigar as pistas e compreender os indícios. Os antagonistas também oferecem um desafio à altura, escondendo suas ações e protegendo seus segredos. O resultado é um cenário sinistro e com enormes desafios. Jogadores veteranos talvez consigam determinar o que está acontecendo no asilo, ainda que seja difícil estabelecer um curso a seguir ou traçar planos para lidar com a situação. Não é uma aventura simples e a resolução pode ser um tanto frustrante já que as chances dela resultar em desastre são imensas, sobretudo se o grupo ignorar alguns avisos implícitos.


Eu achei essa aventura um tanto previsível, sobretudo na maneira como as pistas são entregues. Não há muito espaço para o grupo chegar a conclusão por conta própria e os Handouts se esforçam demais para colocar o grupo no caminho para a resolução, quase os empurrando nessa direção. A despeito disso, há boas ideias e o fato dela se passar em um ambiente incomum, um manicômio onde um amigo está em perigo oferece uma boa dose de imediatismo e urgência. Talvez essa seja a aventura mais fraca da coleção, mas nem por isso ela é impraticável.

"Servants of the Lake" (Servos do Lago) por Glynn Owen Barrass é o terceiro cenário e envolve outra clássica premissa em Call of Cthulhu, o caso do desaparecimento de uma pessoa. Essa provavelmente é a aventura mais curta e com menos cenas, dependendo em extensão quase que exclusivamente do que os jogadores planejam fazer. Me parece que uma única sessão será o bastante para concluir o mistério.  

Na trama, um estudante da Universidade Miskatonic, James Frazer, desaparece e seu pai, um banqueiro local oferece aos investigadores uma recompensa se estes conseguirem determinar seu paradeiro. A trilha de pistas levará o grupo até um motel de beira de estrada no caminho para Kingsport onde coisas estranhas parecem estar acontecendo. Será que James se hospedou nesse lugar? 


O ambiente restrito obriga os personagens a interagir uns com os outros e procurar informações, privilegiando furtividade e entrevistas, acima de pesquisas. O Guardião vai encontrar boas oportunidades de interpretar pessoas estranhas cheias de segredos e que parecem culpadas de algo, embora a explicação só venha  a tona no final. É mais um cenário interessante que lembra um bocado o filme Psicose. Imagino que se os jogadores "comprarem" essa ideia, o cenário vai funcionar muito melhor.

"Ties That Bind" (Nós que prendem) por Tom Lynch é o quarto cenário da antologia e marca o retorno de um dos responsáveis pela Miskatonic River Press, editora que infelizmente fechou suas portas ano passado. Os investigadores - policiais, investigadores particulares ou repórteres atrás de uma história, são convocados para a mansão da Sra. Enid Carrington, a viúva de um ricaço que está renovando sua propriedade. Infelizmente, algum vândalo causa danos a propriedade e provoca sua ira. Em contrapartida, os operários acabam encontrando estranhos objetos que podem ou não ter algum valor. A Sra. Carrington, é claro, quer os responsáveis presos e precisa descobrir a origem dos misteriosos objetos. 


A história é bem construída, um cenário que embora simples oferece opções e uma pegada interessante. A motivação do antagonista talvez seja a parte mais bacana da história e prever os seus passos será a maneira de detê-lo. Isso, combinado a reação dos NPCs e a forma como eles irão tratar os acontecimentos, tornam esse cenário algo bem movimentado e com uma dose inerente de perigo. Se o grupo não tomar cuidado, a possibilidade deles serem massacrados existe. 

O último cenário da antologia é de Brian M. Sammons e tem como título "None More Black" (Nada mais Negro). Ele tem lugar em Arkham, o coração da terra lovecraftiana  e começa com a trágica morte de Walter Resnick, um estudante da Universidade Miskatonic. Originalmente um rapaz de futuro brilhante, inteligente e amigável, que semanas antes de ser encontrado morto se comportava de maneira incomum, como se algo muito ruim estivesse acontecendo em sua vida. Os investigadores podem ser amigos, parentes ou policiais em busca de algum crime, todos preocupados com a causa da morte. O que eles descobrem é que Resnick parece ter morrido por causa de uma droga desconhecida cujos efeitos são devastadores. A questão é: de onde veio essa droga?


"None More Black" também é um cenário bem direto, que lida com crime, violência e abuso de drogas, temas que parecem mais indicados a grupos com maturidade para lidar com esses assuntos. Ele é mais orientado para a ação do que os demais cenários e o climax é potencialmente mortal se o grupo tentar resolver as coisas no mano a mano. Ainda assim, essa parece ser a aventura mais equilibrada e dentro da proposta dos suplementos da Chaosium.

O livro possui um apêndice com os Handouts para serem copiados e cerca de dez páginas com personagens prontos que podem ser empregados nas aventuras. Os Handouts são bem feitos e apresentados em um formato que podem ser entregues diretamente aos jogadores. Eu francamente prefiro quando os Handouts não são copiados duas vezes no livro, parece ser um gasto de páginas desnecessário, mas dada a qualidade do material compreendo que eles sejam reproduzidos nas páginas finais. Não gostei muito dos personagens pré-gerados, me pareceram um pouco sem graça, meio cliche... Mas a ideia é que o jogador simplesmente escolha um deles e possa começar a jogar imediatamente, então, eles cumprem seu propósito.


Fisicamente, Doors to Darkness é muito bem produzido. A capa de Victor Manuel Leza Moreno é imponente, linda mesmo! O interior acompanha a qualidade da imagem exterior, as ilustrações são detalhadas, bem feitas e se ajustam perfeitamente ao texto. Há várias imagens de página inteira que o Guardião vai querer mostrar para os jogadores afim de complementar a sua descrição dos acontecimentos. A cartografia é ótima, com alguns desenhos que remetem ao estilo Old School. De forma geral, o livro está entre os mais bonitos dessa retomada da Chaosium, um produto de altíssima qualidade gráfica que vale cada centavo - como vocês podem ver nas fotos que ilustram essa resenha.

Como se trata de uma antologia de cenários com uma progressão de complexidade, Doors to Darkness pode ser usado como uma mini-campanha introduzindo os conceitos de investigação para novos grupos. O que são os Mythos? Qual a sua interação com a humanidade? O que eles representam? O que significa enfrentar esses horrores? Tudo isso faz parte da antologia e é tratado de uma maneira até didática. 

Muitas pessoas reclamam que as aventuras de Call of Cthulhu são, por vezes, complicadas e que precisam de um Guardião experiente para que funcionem. Doors to Darkness é uma ótima oportunidade para se familiarizar com o estilo de jogo proposto, antes de alçar vôos mais ambiciosos rumo a campanhas como Horror on the Orient Express ou Masks of Nyarlathotep. O livro oferece grande diversão em narrativas curtas das quais o mestre poderá aproveitar alguma coisa.


É exatamente o que jogadores e mestres iniciantes precisavam. Utilizando essa antologia eles terão uma introdução perfeita, direcionada para aqueles que jamais perderam um ponto sequer de sanidade ou que tem dúvidas a respeito da maneira correta de pronunciar "Cthulhu" (que conste, é ku-FÚ-lo).

É um livro com ares de antigo, mas com uma pegada moderna e cheia de conselhos úteis, tudo no mesmo produto. Para quem está começando, pode até ser essencial, para os que já conhecem do riscado, pode parecer meio simples à princípio, mas com certeza, vale a pena.