domingo, 5 de março de 2017

Demônio Vermelho - A macabra história do Garoto Diabólico de Boston


















Pode parecer injusto classificar o comportamento de crianças como educadas e malcriadas, sem considerar as nuances cinzentas entre um e outro aspecto. Em geral, todas as crianças variam de um extremo para o outro e são capazes de nos surpreender pelas suas atitudes para o bem e para o mal. Entretanto, no caso específico de um menino nascido em Boston, no século XIX, malcriado não chega nem perto de descrever seus horríveis atos.

Essa história é tão medonha que talvez os leitores mais sensíveis devessem parar de ler imediatamente. Não estou exagerando, certos detalhes são horrendos e o teor da postagem em certos momentos beiram o perturbador. 

Jesse Harding Pomeroy nasceu em 29 de novembro de 1859 e antes de completar 15 anos de idade, já havia se transformado no mais jovem criminoso sentenciado por assassinato em primeiro grau na história de Massachusetts.

O horror foi uma companhia constante na vida de Jesse que não teve uma infância feliz, longe disso. Quando criança, ele era ridicularizado por causa de uma deformidade facial - a córnea de seu olho direito era coberta por uma grossa película branca. Ele passava a maior parte de seu tempo sozinho, lendo revistas baratas de um níquel, a respeito de crimes, morte e violência que alimentavam sua imaginação com ideias perversas. O menino era estranho, seu silêncio e olhares disfarçados revelavam uma criança tímida, quieta e inteligente. Os garotos da rua eram companhia apenas ocasional, em parte, porque tinham medo de Jesse e porque seus pais os proibiam de chegar perto daquele garoto grandalhão e desajeitado.

O pai de Jesse, era um alcoólatra chamado Thomas Pomeroy que abusava fisicamente da mãe e dos filhos. A disciplina na casa era severa e as punições beiravam o sadismo com maus tratos explícitos que variavam entre surras com cintos, chibatas e fios de cobre, passando por períodos sem comida e até afogamentos em banheiras com água gelada. Certa vez, Thomas obrigou um dos filhos a colocar na boca um carvão em brasas, noutra enfiou u prego através da palma da mão. Thomas era um homem especialmente ruim e sua maldade parecia contaminar justamente o filho mais novo. A mãe de Jesse, Ruth Ann simpatizava com o menino e o tratava como seu "pequeno homem", um apelido que ele detestava. Apesar de toda proteção, ela fazia pouco para proteger o filho dos desmandos de seu marido tirânico. Quando ele voltava para casa bêbado, qualquer coisa podia ser motivo para um espancamento e agressão.

Mapa de Boston uma das maiores cidades americanas no século XIX
Esse ambiente tenebroso sem dúvida contribuiu negativamente e ajudou a criar a personalidade de um rapaz nervoso e sombrio. Jesse não podia ter animais de estimação: havia matado dois gatinhos que ganhara da mãe, usando as próprias mãos. Se desculpou afirmando que os abraçou com tanta força que eles morreram. Na verdade, ele gostava de matar animais, costumava atraí-los com tigelas de leite e quando os apanhava apertava seus pescoços até que parassem de brigar. Guardava as carcaças em uma caixa num depósito de lixo, ficava horas olhando para elas, abrindo os corpos e assistindo os vermes os devorarem. 

Aos 12 anos, Jesse tinha um comportamento que se assemelhava ao de seu pai. O fato de ser grande e corpulento para sua idade o ajudou a transformá-lo num bully que atacava gratuitamente todos os garotos menores e mais fracos. Uma de suas "brincadeiras" favoritas era se aproximar pelas costas de outra criança e imobilizar sua cabeça em um abraço até que ela desmaiasse. Morria de rir quando a face de suas vítimas ficava roxa. 

No inverno de 1871 na cidade de Chelsea, Massachusetts, veio à tona a notícia de que um menino chamado Payne havia sido brutalmente agredido na rua. Sem que a comunidade de Boston ou o Boston Globe, o principal jornal, que chamou o agressor de "Diabo Sádico" soubessem, o culpado era outra criança, Jesse Pomeroy.

Desde o início, os ataques de Jesse foram marcados pela extrema violência - não apenas espelhavam as surras que ele recebia do pai, mas se tornavam ainda mais cruéis. Jesse explorava a natureza inocente de suas jovens vítimas, prometendo doces e presentes para atraí-los para um lugar afastado e deserto. Uma vez sozinhos, ele forçava suas vítimas a se despir e começava a torturá-los usando qualquer coisa que estivesse ao seu alcance e que pudesse ser usado como arma. Canos, pedaços de pau, cordas, fios elétricos, garrafas... Pomeroy era especialmente maldoso com as crianças que choravam, gritando que elas eram "covardes"  e que "deviam aguentar uma surra como homens", palavras que ele sem dúvida ouvira do pai. Quando as crianças desmaiavam ele parava de bater e ficava ao lado delas até que acordassem. Avisava então que se eles o acusassem, mataria seus pais com uma faca que mostrava para amedrontá-los.   

South Boston
A medida que o número de vítimas crescia, os métodos de Jesse se tornavam cada vez mais brutais. Procurava crianças nas ruas, qualquer uma servia aos seu propósito. Ele agora usava sua faca e alfinetes de chapéu para cortar e perfurar a pele de suas vítimas. Sua crueldade havia alcançado um novo patamar e combinada com o despertar sexual da adolescência, evoluiu para incluir abuso sexual à tortura. As crianças se sentiam aterrorizadas pelas gargalhadas de Jesse que assumia uma nova e diabólica personalidade, a do "Demônio Vermelho", uma figura que ele encarnava para produzir o máximo de choque. Ele confessou que quando pintava o rosto com tinta vermelha ou com o sangue de suas vítimas, algo se apossava dele, algo maligno que parecia forçá-lo a cometer aquela barbárie.

A mãe de Jesse tomou conhecimento a respeito dos acontecimentos em Boston e passou a desconfiar de seu filho. Em uma tentativa de proteger o menino de suspeitas, a família decidiu mudar de endereço; de Chelsea para South Boston, uma das regiões mais violentas da cidade. Subsequentemente, os ataques em Chelsea cessaram, enquanto South Boston experimentava uma onda de horríveis agressões a crianças. O caminho escuro, pavimentado de sangue que Jesse decidiu trilhar o conduzia a uma existência cada vez mais dantesca.

Ele continuava procurando crianças da mesma maneira que fazia em sua antiga vizinhança, prometendo presentes se os pequenos o acompanhassem. Jesse tinha um novo lugar para agir, um velho depósito de trilhos de trem que fora abandonado perto da praia. Jesse contou que ia até lá afim de preparar o ambiente para sua próxima vítima. Sozinho fantasiava como seria a próxima sessão de tortura. Instalou um espelho que achou na rua em uma parede para que pudesse olhar para si mesmo, com a face coberta de sangue ou tinta. O pensamento o excitava e ele se masturbava encarando a própria imagem na superfície rachada. Jesse relatou que a imagem no espelho por vezes era diferente: ele não via um garoto de 13 anos, mas um monstro de pele avermelhada, dentes afiados e chifres no topo da cabeça. Ele havia encarnado de uma vez por todas a imagem do "Demônio Vermelho". Pintava desenhos medonhos nas paredes do depósito, desenhava cenas que retratavam as torturas e escrevia o nome de seu alter-ego com sangue. Forçava as crianças a molhar suas mãos no próprio sangue fresco e aplicar na parede, como uma espécie de assinatura terrível na qual "tomava posse" de sua vítima, de corpo e alma.

"Conte para alguém que fui eu e você me verá matar seus pais e beber o sangue deles", repetia gargalhando em tom de ameaça.

Em agosto de 1872, um jovem menino chamado Robert Gould foi encontrado abandonado na área portuária de Boston. O menino havia sido amarrado a um poste telefônico e sofrera uma terrível surra, além de violência sexual. Ao menos, ainda estava vivo. A agressão fora tão brutal que não conseguia falar nada coerente por vários dias. Repetia apenas que havia sido vítima de um Demônio Vermelho.


Jesse Pomeroy segundo um jornal da época
Quando a notícia se espalhou, pais e crianças já estavam apavoradas, temendo o terrível agressor que podia ser qualquer um. Alguns imaginavam que o culpado era um nativo americano, pois só a selvageria de um autêntico "pele-vermelha" poderia se encaixar naquele padrão medonho. Outros achavam que a culpa recaía sobre um imigrante polonês, notório por perseguir crianças e assustá-las na vizinhança. Mas alguns, os mais supersticiosos, acreditavam que aquela barbárie só poderia ter sido perpetrada por uma entidade infernal. 

A despeito do trauma sofrido, Robert começou a lembrar de alguns detalhes a respeito de seu agressor. Lembrou por exemplo, que ele gargalhava, que tinha o rosto vermelho e que um de seus olhos tinha uma cor branca leitosa. A descrição foi publicada nos jornais e algumas pessoas fizeram a associação com o garoto Pomeroy. Dois policiais foram até a casa da família e perguntaram a Ruth Ann se ela desconfiava de alguma coisa, a mulher só conseguiu chorar compulsivamente. Quando Jesse chegou em casa e os homens o confrontaram com a acusação, ele apenas sorriu e acenou com a cabeça: "Sim, eu sou o Demônio Vermelho".

Uma corte juvenil julgou Jesse culpado dos ataques e o enviou para o Reformatório Westborough, onde ele deveria ficar preso até completar 18 anos. 

A única pessoa que visitava Jesse no reformatório era sua mãe, que nos meses seguintes fez tudo ao seu alcance para que a sentença do filho fosse atenuada. Ruth Ann era extremamente persuasiva e aproveitou as eleições locais para convencer políticos de que a soltura de seu filho representava uma demonstração inequívoca de piedade cristã. Graças ao apoio de religiosos, Ruth começou a discursar a respeito da mudança de seu filho, uma ovelha desgarrada que havia mudado nos meses que se seguiram, arrependido de seus erros era outra criança.

Por fim, depois de um ano e meio de campanha, os esforços de Ruth Ann tiveram sucesso.

Ruth Ann Pomero, mãe do monstro
Em fevereiro de 1874, o estado concordou em libertar Jesse sob a supervisão de sua mãe. O garoto estava livre e se dizia mudado. O pai de Jesse havia abandonado a família depois de ter sido apontado como uma das causas do comportamento do filho. Por pouco não foi linchado por uma turba furiosa. Ruth Ann sustentava a família cuidando de uma loja de vestidos, enquanto os filhos trabalhavam para ajudar. Todos vigiavam Jesse que parecia realmente ter abandonado seus dias de maldade, ou assim eles pensavam.

Um mês após a soltura, as ações de Jesse se tornaram letais. Em 18 de março de 1874, Katie Curran de nove anos desapareceu. O último lugar em que ela havia sido vista ficava próximo da loja de vestidos em que Jesse trabalhava como atendente. A polícia procurou o rapaz e fez perguntas, mas não descobriu nada. Ruth Ann disse que Jesse estava com ela o dia todo e que era inocente. 

Um mês mais tarde, dois irmãos andando pela praia fizeram uma descoberta sinistra em um trecho de areia em Dorchester Bay. O corpo de um menino de 4 anos chamado Horace Millen estava semi-enterrado na areia. A garganta havia sido cortada, e em seu corpo contava-se 18 apunhaladas no abdomen, virilha e até na face. Seus olhos, nariz e orelhas haviam sido arrancados, bem como seus genitais.

A polícia visitou novamente a casa dos Pomeroy e perguntou onde estava o jovem Jesse. A mãe disse que ele estava fazendo entregas, mas um vizinho lembrou de ter ouvido o rapaz saindo de casa de madrugada carregando uma maleta de viagem. Estava claro que o jovem estava em fuga após ter feito uma vítima fatal. Em seu quarto os policiais encontraram um sapato com areia da praia e uma mancha de sangue que o ligava ao crime.

Jesse Pomeroy, o Garoto Demoníaco
Jesse foi preso na estação ferroviária de Boston, ao ser reconhecido levantou as mãos, sorriu e disse "podem me levar, estou aqui". Com a segunda prisão decretada, a loja de Ruth Ann Pomeroy foi destruída por uma multidão que apedrejou o lugar e ateou fogo aos seus vestidos. Dias depois, os bombeiros que inspecionavam os restos incendiados encontraram no sótão da casa um baú e no interior deste o corpo em decomposição de Katie Curran.

Jesse admitiu que havia matado a menina depois de atraí-la prometendo um caderno de desenho se ela subisse com ele até um quarto de costura. Atacada de surpresa, Katie teve a garganta cortada e morreu imediatamente. O corpo foi então mutilado de uma forma muito parecida a de Horace Millen. Jesse colocou o cadáver em um baú e o escondeu no sótão. Quando perguntado se teve a ajuda de alguém sorriu daquela forma maligna e acenou com a cabeça: "O Demônio Vermelho me ajudou!"

Jesse foi visitado por médicos que desejavam entrevistar o garoto diabólico de Boston e saber o que o motivava a matar. A psiquiatria ainda engatinhava, e médicos neurologistas discutiam o que moldava a personalidade de um assassino, o ambiente em que ele vivia (Nurture) ou a própria natureza (Nature), um tema que ainda hoje é aberto ao debate. 

"Eu não conseguia me conter," explicou o rapaz para um dos médicos, "era mais forte do que eu. Eu via um deles e sabia que deveria matá-lo. Precisava matá-lo! Se não o fizesse, não conseguia dormir, não conseguia comer, não conseguia pensar em outra coisa. Depois eu me sentia bem... só depois de matar eu me sentia verdadeiramente feliz". 

UM pequeno santuário dedicado ao jovem Millen
Jesse dizia que a figura maligna que tomava seu corpo o transformava em um assassino e o protegia. Ele contou que o Demônio Vermelho lhe concedia poderes, entre os quais o de andar invisível sem que ninguém  percebesse o que o enchia de confiança. Pouco antes de assassinar Horace Millen, segundo uma entrevista, dois homens pararam exatamente ao lado de onde estava o assassino e sua vítima. Os dois ficaram ali por quase uma hora e não perceberam a presença nem de Jesse e nem Horace que chorava e implorava ajuda. "Era como se eles não pudessem nos ver ou ouvir!" se gabou o rapaz.

Após matar Kate Curran, Jesse contou algo ainda mais perturbador. Pouco antes de dar a facada mortal, a menina foi capaz de vê-lo como o Demônio Vermelho, disso ele tinha certeza: "Os olhos da menina se arregalaram, ela olhou pra mim, mas viu além de mim! Viu como eu era de verdade!"

Segundo Jesse, foi por esse motivo que ele teve o cuidado de arrancar os olhos da menina, pois temia que a última visão dela poderia ficar registrada na retina. Quando perguntado a respeito do que havia feito com os olhos ele foi direto: "O que você acha? Eu os engoli!" 

Meses depois de ter confessado os assassinatos e de ter revelado mais uma dezena de surras, Jesse começou a mudar sua história. Disse que "contava o que os médicos queriam ouvir" e que "não poderia ter feito todas aquelas coisas horríveis". Em uma delirante autobiografia, escrita enquanto estava encarcerado, ele declarava sua inocência. Dizia que imaginava aquelas coisas e afirmava que um assassino havia colocado o corpo da menina Curran no sótão da loja, para que ele fosse responsabilizado.

Em dezembro de 1874, o jovem Jesse Pomeroy foi julgado pelo crime de assassinato em primeiro grau. Ele tinha 14 anos de idade. O juiz inicialmente o sentenciou a uma pena de morte por enforcamento, mas o Governador de Massachusetts recusou a pena aconselhado por médicos que emitiram um laudo de que Jesse sofria de uma grave doença mental. Ele foi trancafiado em uma Instituição para Doentes Mentais em Boston até completar 17 anos, e depois transferido para um Manicômio Judiciário em Charleston. 

Pomeroy em dois momentos, aos 70 e aos 35
Pomeroy passou a maior parte de sua vida atrás das grades, perigoso demais para ser colocado em libertdade teria tentado escapar repetidas vezes, mas nunca conseguiu deixar os limites do manicômio. Apenas em 1914, após anos de aparente tranquilidade ele teve aceso ao pátio e contato com os outros internos, em 1917 uma junta médica defendeu que ele estaria reabilitado e poderia voltar a sociedade, mas nenhum juiz permitiu que ele deixasse o manicômio.

Jesse Pomeroy morreu no Hospital Bridgewater para Criminosos Insanos em 1932, aos 71 anos.

3 comentários:

  1. Artigo interessante e interessante quanto ao início das ciências mentais.

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  2. Sim, faltou dizer isso. Esse caso foi um dos primeiros casos em que alegação de insanidade foi aceita oficialmente para eliminar pena de morte.

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  3. História incrível. Encaixa-se perfeitamente nas manipulações Shan, numa eventual crônica.

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